DIVERSOS ROTEIROS:
O Brilho da Pérola
autor
Fernando Antonio de Medeiros
Fragmentos de memórias de um menino e sua visão lúdica na descoberta da sociedade, suas virtudes e seus vícios
famrio@gmail.com
55 84 98178 3723
O Brilho da Pérola
autor
Fernando Antonio de Medeiros
Fragmentos de memórias de um menino e sua visão lúdica na descoberta da sociedade, suas virtudes e seus vícios
famrio@gmail.com
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1 EXT. RUA - MEIO FIO - DIA
FADE IN DO BRANCO)
PEDRO
Pérola em primeiro plano, céu ao fundo, câmera em contra
plongé, menino moreno, com cerca de 4 anos, com traços
indígenas e olhos rasgados , entra em cena. Seus olhos
brilham . Ele a pega, com a ponta dos dedos, deposita na
palma da outra mão e a aproxima do rosto. Seu olhar
penetra o brilho da pérola.
FUSÃO PARA:
2 EXT. RUA - FRENTE DA CASA - DIA
PEDRO;MÃE;ANTÔNIO PAI;MOTORISTA TAXI
Dentro do brilho surge uma vila operária de casas
geminadas,idênticas, estilo europeu, em uma rua com
calçamento de paralelepípedos, um táxi está parado em
frente a uma das casas, mulher morena com cabelos negros
(mãe)e criança com cerca de quatro anos(Pedro), os dois
bem vestidos, como que chegando de viagem, portando
bagagem de mão, descem do veículo. O motorista do
taxi retira a bagagem maior da mala do carro. O menino é o
primeiro a descer do carro e fica olhando para o
motorista que tira a bagagem da mala do carro. Ela desce
elegantemente do carro,
arruma a saia rodada e olha para Antônio (Pai) que se
aproxima vindo da casa.
MÃE
Antônio, meu querido, quanta
saudade!!!
Homem moreno, de óculos, porte atlético, vestindo calça
continua
continuando (2) 2.
larga com cinto e camisa bege de manga curta ensancada,
sapatos negros, vem recebe-los à porta. Ele beija o menino
e pergunta como foi a viagem, abraça a mulher, dando-lhe
um demorado beijo de boas vindas.
ANTÔNIO PAI
Tudo bem Pedrinho? Foi boa a
viagem?
MÃE
Foi! O avião fez escala em
Maceió, Aracaju, Salvador e
Vitória, não aguentava mais bota
cinto, tira cinto. Enchi o
saquinho de papel, no litoral da
Bahia, o avião deu uma queda que
eu falei "valha-me Nossa Senhora!
Rezei muito!".
Antônio sorri e abraça a mãe e também ao filho,
encaminhando-os para a entrada da casa, enquanto pega as
malas grandes.
ANTÔNIO PAI
O litoral da Bahia sempre tem uma
turbulência. Vamos entrando. Como
vai tia Lalá? e Maria do Céu? Tem
notícias de Aidê? e Queto?
MÃE
Tia Lalá você sabe, lá nos Santos
Reis, vive daquele jeitinho que
você já conhece, da missa pra
casa, da casa pra missa...
continua
continuando (3) 3.
ANTÔNIO PAI
Sempre beata...
MÃE
Beatas né..., ela, Dudu e
Elisangela
Entram na casa, rindo e conversando animadamente
3 INT. CORREDOR DA CASA - DIA
PEDRO
Menino sai pela porta de um quarto, que mostra ao fundo as
malas desfeitas, ainda veste a roupa da chegada. Caminha
por um corredor escuro e comprido, pé direito alto, piso
de tábuas corridas, ao fundo vozes e risos dos pais que
estão no outro quarto com as portas fechadas. Passa por
outra porta que está aberta, dentro do quarto, homem
moreno com cabelos negros e rosto redondo, a barba
mal feita, está sentado em uma cama de solteiro cortando
as unhas do pé, com um cortador de unhas. Ele levanta a
cabeça e vê o menino que está parado à porta. Faz um aceno
de cabeça, e cumprimenta...
3A INT. QUARTO DO CORREDOR DA CASA -DIA
INQUILINO
Oi Pedro!
Pedro se surpreende e meio sem jeito olha para a frente
respondendo ao aceno, ao mesmo tempo em que continua a
caminhar reconhecendo a nova casa. O corredor termina na
cozinha, onde há uma porta e uma janela sobre uma pia onde
vemos um filtro de barro, um armário fechado e um fogão.
4.
4 INT. COZINHA - DIA
PEDRO; GATO
Sob a pia um gato vira-lata se insinua. O menino
acaricia-o. O gato é dengoso e se entrega ao carinho do
menino. Pedro pega o gato e o leva ao colo. Continua a sua
caminhada, com o gato em seus braços, em direção a porta
nos fundos da cozinha. Abre a porta que dá para o quintal.
5 EXT. QUINTAL - DIA
PEDRO; GATO; POMBOS; ANTÔNIO PAI
A claridade o ofusca. Ele para no topo da pequena escada
que leva ao quintal logo abaixo. Sua primeira visão é do
vulto de um pássaro pousando que passa próximo ao seu
rosto. A cena é confusa e vários pássaros voam muito
próximos, a cena vai ficando nítida e ele vê que são
vários pombos em frenesi, fazendo manobras para pousar e
outros já empoleirados em casinhas de madeira, um pombal
montado apoiado no muro embolorado que divide o quintal
com a casa vizinha. Os pombos voam mais distantes,
assustados quando veem a aproximação do menino com o gato
nos braços. O pai passa por ele em direção ao pombal onde
pega um gordo filhote de pombo (um boracho) e mostrando em
direção a porta onde está Pedro, fala para a mãe:
ANTÔNIO PAI
Maria, acho que dois destes
chegam para nosso almoço.
5.
6 EXT. ESTAÇÃO FERROVIÁRIA - DIA - ENTARDECER
ANTÔNIO PAI; MÃE; PEDRO
A mãe de mãos dadas com Pedro, caminham rápido e chegam a
estação ferroviária. O olhar da mãe procura na direção dos
trilhos o horizonte, onde se vê uma tênue fumaça da
locomotiva se aproximando e o apito avisando a chegada.
Ela procura e encontra o olhar brilhante e cumplice de
Pedro. Abre o sorriso e volta a olhar em direção aos
trilhos onde a composição já visivelmente mais próxima,
chega com estardalhaço e muita fumaça. A composição
para ao lado de Pedro e sua mãe, no meio dos vapores da
locomotiva, desce de um vagão de passageiros, todo vestido
de branco, o pai com uma maleta de couro na mão. Ao
avistar os dois, que estão a sua espera, abre largo
sorriso. Na sequência se abraçam e caminham saindo da
estação, abraçados o pai e a mãe, Pedro um pouco mais
atrás, olha admirado o entorno da estação e o trem
estacionado, olha a enormidade da locomotiva, voltando
depois o olhar para os pais que caminham conversando
alegremente.
7 INT. COZINHA - DIA
MÃE; ANTÔNIO PAI; INQUILINO; PEDRO;
GATO
Gotas de água espirram da pia, onde a mãe lava louças. A
água molha o tecido da blusa da mãe, mostrando na
transparência do tecido molhado colado a sua pele, a sua
silueta e a cor da calcinha que aparece sutilmente sob a
transparÊncia do tecido molhado. Pequenos detalhes que são
observadas atentamente pelo inquilino. Dois homens estão
continua
continuando (2) 6.
sentados a mesa, frente a pia, o inquilino, bem a vontade
de camisa de manga curta aberta no peito, bermuda e
sandália e o Antônio, já vestido todo de branco para ir
trabalhar, termina de comer e rapidamente se levanta...
ANTÔNIO PAI
Com licença! Maria vou rápido
arrumar as minhas coisas que já
estou atrasado pra ir ao
consultório.
Levanta-se e sai rapidamente da cozinha, Pedro brinca no
chão da cozinha com o gato. A mãe de Pedro começa a tirar
os objetos da mesa. O inquilino aproveita a proximidade da
mão da mãe de Pedro e a ausência de Antonio e pousa sua
mão sobre a mão dela, que retira a mão bruscamente e se
afasta irritada em direção a pia. O menino assiste a cena.
O pai retorna a cozinha, já pronto para ir trabalhar,
vestido com roupa branca e agora de óculos e carregando a
maleta de couro na mão, dá um beijo na mãe, afaga a cabeça
de Pedro, faz um aceno ao inquilino e sai.
ANTÔNIO PAI
Tchau!
PEDRO
tchau!
MÃE
tchau!
O inquilino termina de comer, dá um arroto, se levanta e
vai com seu prato em uma das mãos, em direção a pia, onde
encontra a mulher lavando a louça, com a mão livre se
prepara para apalpar uma de suas nádegas, quando Pedro
corre e se agarra a saia da mãe,ficando entre a sua mãe e
a mão do inquilino, encarando desafiadoramente o homem,
continua
continuando (3) 7.
que se recompõe e deposita grosseiramente o prato sobre a
pia, ao lado da mãe. Ato continuo a mãe se afasta dele
discretamente, continuando o que estava a fazer, levando o
que estava lavado para o lado oposto, onde estava o
inquilino. O homem sorri cinicamente olhando em direção a
mãe de Pedro, faz um afago na cabeça do menino e se afasta
em direção ao corredor. A mãe frente ao armário, olha e
faz uma careta por sobre os ombros para o homem que se
afasta, em direção ao corredor e nada vê.
8 INT. ARMARINHO - DIA
PEDRO; AMIGO DE PEDRO; COMERCIANTE
Punhal de brinquedo, de plástico colorido, na mão de uma
criança.Em um movimento brusco o punhal é enterrado no
abdomem de Pedro. Outro punhal vem em posição vertical e
se enterra na cabeça do amigo. Os dois amigos riem e
observam, empurrando com o dedo a ponta do punhal, na
tentativa de entender o mecanismo do brinquedo, eles estão
em uma loja de presentes e miudezas, um armarinho, que
vendia toda qualidade de vasilhas e utensílios de
plástico e entulhada com brinquedos, flores e vasilhas de
plástico colorido. Amigo de Pedro mostra o punhal para o
vendedor e pergunta:
AMIGO DE PEDRO
Quanto é?
COMERCIANTE É um cruzeiro cada.
Os meninos, cada um com um punhal na mão, procuram nos
bolsos o dinheiro e pagam com moedas o comerciante.
continua
continuando (2) 8.
PEDRO Agora vamos fazer justiça e
proteger os fracos e oprimidos!
O vendedor sorri e dá a volta ao balcão, caminhando em
direção aos meninos, coloca as mãos sobre os ombros deles,
levando-os em direção a porta de saída.
COMERCIANTE
Vem que o mundo bem que precisa
de justiceiros assim como vocês.
O que não falta é oprimido. Agora
vão procurar os oprimidos lá na
rua, pra não assustar a
freguesia.
9 EXT. RUA DA VILA - ENTARDECER - DIA
PEDRO; AMIGO DE PEDRO
Os dois amigos caminham pela rua da vila e alternadamente
se golpeiam com os punhais, enquanto emitem gritos de
ataque e frases repetidas dos heróis da tv
10 INT. CASA DO AMIGO - SALA NOITE
PEDRO; MÃE DO AMIGO; PAI DO AMIGO;
AMIGO DE PEDRO;
Chuvisco de tela de tv, três adultos sentados em um sofá
em uma sala olham para outro homem que mexe na televisão.
A câmera passeia pelo rosto de uma senhora de idade e um
senhor de mais idade ainda. Uma mulher mais nova com lenço
e bobs de plástico com cores berrantes na cabeça, mistura
com uma colher de pau, uma massa , em uma vasilha de
continua
continuando (2) 9.
plástico, ao seu lado as duas crianças,
Pedro e seu amigo, morador da casa, todos olham em direção
a tv.
MÃE DO AMIGO
Caramba, Otávio!vê se sintoniza
logo essa TV, que o Zorro já deve
estar começando e as crianças
estão impacientes.
Um homem de meia idade, está abaixado, mexendo nos botões
de uma tv, que está embutida em um vistoso móvel de
madeira escura, com as portas centrais abertas, a imagem é
preto e branco, entretanto, a tela é coberta por um papel
celofane multicolorido de azul, vermelho e verde,
proporcionando um estranho falso colorido as cenas.
PAI DO AMIGO
Que droga, quem foi que mexeu
nesse botão da antena, agora não
estou conseguindo sintonizar...
Finalmente a imagem aparece.
11 INT. SACADA DO ZORRO - CENA DA TV
Cena de ação de um seriado capa e espada, em estúdio, como
que transmitida ao vivo. O personagem, o Zorro, entra por
uma porta,de espada em riste, em uma pequena sacada, que
está no topo de uma também, pequena escadaria. Olha para
um lado e outro rapidamente procurando algo e avista o
bandido que foge em direção a câmera.
ZORRO
Não adianta tentar fugir seu
(MAIS...)
continua
continuando (2) 10.
ZORRO (...cont.) canalha. Vais pagar pelos seus
erros e será na ponta da minha
espada.
Ele joga a capa para trás e apoiando uma mão no corrimão
da escada e jogando as pernas, salta por sobre, com a
espada em punho, abrindo sua capa negra, que toma toda a
tela.
FUSÃO PARA:
12 EXT. RUA DA VILA - DIA
AMIGO DE PEDRO; PEDRO
Capa preta de fantasia de Zorro veste o amigo de Pedro,
que está empunhando um punhal de plástico. Segura Pedro
deitado no chão, sob o joelho
AMIGO DE PEDRO
Não adianta tentar fugir, seu
canalha. Chegou a hora ...
Quando este vai cravar o "punhal" Pedro se vira e o amigo
perde o equilíbrio e cai, rolando no chão
AMIGO DE PEDRO (...cont.)
Puta que te pariu!
Esbraveja o menino que não esperava a saída rápida de
Pedro e machucou o joelho e ralou o nariz, no chão de
paralelepipedos. Ele olha com expressão de dor para o
machucado do joelho. O punhal de plástico está espatifado
no chão com a lâmina quebrada, e a mola saltada expondo
todo o mecanismo. Sua expressão é de ódio, olha para
Pedro que está em pé rindo, olha para o chão e vê uma
pedra solta, apanha e corre para cima de Pedro, em atitude
continua
continuando (2) 11.
agressiva, com a pedra na mão. Pedro corre em direção a
sua casa que estava próxima e entra sem olhar para trás.
13 INT CASA DE PEDRO - DIA
PEDRO
Entra em sua casa esbaforido e fecha a porta, assustado.
Sua mãe aparece na porta do quarto e olha para ele.
MÃE
O que é que, está acontecendo...
No mesmo momento um vidro da janela da sala é estilhaçado
por uma pedra, que cai no chão da sala. Pelo buraco aberto
pela pedra no vidro a mãe de Pedro observa a rua.
14 EXT. RUA DA VILA - DIA
AMIGO DE PEDRO; PEDRO
Da rua o menino vê, pelo buraco do vidro quebrado, aberto
pela pedra, o rosto da mãe e de Pedro, que olham para ele
ainda da tempo de ver o menino correndo com a capa preta,
dobrando a esquina.
MÃE Seu moleque sem vergonha, vou
falar com sua mãe.
Grita a mãe de Pedro através do buraco quebrado pela pedra.
15 INT. QUARTO DA CASA DO MENINO - DIA
MÃE Seu safado, eu já não te falei
que não quero você andando com
moleque de rua.Que que você fez
para êle?
Fala a mãe, interrogando Pedro, enquanto segura o menino
continua
continuando (2) 12.
por um braço e empunha uma sandália havaiana na outra,
dando chineladas nas nádegas.
PEDRO
Ele não é moleque de rua não, é
meu amigo e mora lá no fim da
vila, ai, ai!! e eu não fiz nada
mãe, foi êle que caiu sozinho, eu
não fiz nada, a gente estava
brincando, juro...Ai!!ai!!
Mãos da mãe com a sandália havaiana sobem e descem na
tela, ela está dando uma surra no menino, que sai chorando
do quarto.
CORTA PARA:
16 EXT. CAMPO DE PELADA - DIA
JOGADORES E TORCIDA; PEDRO
Pés calçando chuteiras, arrancam a grama já rala do campo
de pelada com um chute na bola e levantam poeira, a bola
rola. Os jogadores estão uniformizados, muitas pessoas
estão ao redor do campo. Após mais um drible mais um gol,
a torcida vibra. Um pipoqueiro faz pipoca, enquanto fuma
um cigarro e ao mesmo tempo contempla o jogo. Pedro
senta- se em uma pedra próximo ao pipoqueiro, dividindo
seu olhar entre o jogo, as pipocas e o pipoqueiro fumante,
que atira a guimba do cigarro no chão. A fumaça sai do
meio da grama, os olhos do menino brilham. Ele pega
o cigarro e leva aos lábios. Dá um trago desconfiado e
tosse, tosse muito, até ficar avermelhado e as lágrimas
correrem pelo seu rosto.
continua
continuando (2) 13.
PIPOQUEIRO
Tá pensando o que moleque?
Cigarro é pra homem!
17 INT.COZINHA - DIA
PEDRO; GATO
Pelo do gato sendo acariciado por mão de criança, imagem
desfocada vai gradativamente ficando nítida com a imagem
de Pedro acariciando e brincando com o gato sob a mesa, ao
fundo a mãe de costas corta legumes preparando a comida,
alternando entre a pia e o fogão. O gato se encaminha para
a porta ao fundo, que leva ao quintal e está entreaberta.
Pedro segue o gato e o apanha nos braços já saindo para o
quintal.
18 EXT. QUINTAL - DIA
PEDRO; GATO; POMBOS; ANTÔNIO PAI; MÃE
Pedro sai ao quintal com o gato no colo, o dia está lindo,
de um azul intenso e seu olhar acompanha os pombos voando
brancos voando pelo céu, quando sua atenção se volta para
um vulto diferente, um balão estrela, enorme e
multicolorido, que gira lentamente no céu sob o céu azul,
e em lento movimento de queda vai aumentando de tamanho
vindo em direção ao quintal onde se encontra Pedro. Duas
mãos aparecem sobre o muro, nos fundos do quintal e logo
em seguida num rápido pulo, surge o rosto de um rapaz, que
some, para logo em seguida num impulso maior aparecer de
corpo inteiro, sentando em cima do muro. Olha para o balão
e fala para alguém que está além muro.
continua
continuando (2) 14.
RAPAZ 1
Ele vai cair aqui, sobe logo Zé!
O burburinho das vozes aumentam de volume e começam a
surgir, cabeças "pulantes" de outros rapazes que com
impulso maior sentam sobre o muro, agora já são vários
sobre o muro
RAPAZ 2
Traz logo o bambu!
O quintal se transformou em um mar de corpos de rapazes,
eram uns dez rapazes agitados, que haviam surgido por cima
do muro e invadiram o quintal, agora coroados por um
emaranhado de bambus, se empurravam na espera da queda do
balão, alguns sem camisa, suados e esbravejando, tentando
se posicionar no melhor local.
RAPAZ 3
Cara ele é muito grande!! Sai que
é meu!!
RAPAZ 4
Não rasga !! Não rasga !! Sai daí
Jair !!
RAPAZ 2
Se rasgar vou dar porrada!
Dois rapazes irrompem em direção ao balão, do interior
da casa passando rapidamente ao lado de Pedro, que
precisou sair da frente para dar espaço a ação. O olhar
assustado do menino contempla toda essa cena e voa para o
alto, para o balão estrela, que cai, quando seus olhos
cruzam com os rostos sorrindo, do pai, que olha para a
ação no quintal e da mãe, que olha para ele de nos olhos,
continua
continuando (3) 15.
lhe dá a mão e o ampara. Quando ele olha novamente para o
quintal, os rapazes estão ainda mais agitados e aos
gritos, alguns estão em pé sobre o muro e agitam os braços
e gritam, um frenesi crescente que atinge o seu auge na
queda do balão, já meio murcho.
RAPAZ 1
Sai que é meu!
RAPAZ 4
Não rasga! Não rasga!
RAPAZ 3
Tá na mão! é meu!
RAPAZ 2
Pega na boca da bucha!! Tá fria!
RAPAZ 1
Caracoles! Essa vara aí!
O balão é lindo, imenso e multicolorido. Cai sobre todos,
cobrindo o pequeno quintal, como uma grande colcha de
retalhos, com várias cores. Uma vara de bambu surge do
papel e atravessando o balão faz o primeiro rasgo, por
onde escapa grossa camada de fuligem, logo coberta por
mãos que tentam inutilmente dobrar o balão. A cena se
transforma numa orgia de fumaça, fuligem, corpos,
bambus, pombos e muitos papeis coloridos, picados. O balão
é completamente destruído.
FUSÃO PARA 19 EXT. RUA DA VILA - DIA
PEDRO; PEDRO ADULTO; FORMIGA
Pedro caminha pela rua pensativo, seu olhar é
continua
continuando (2) 16.
ligeiramente triste, anda em direção a esquina. Lá
chegando, senta no meio fio e seu olhar percorre o chão
de paralelepipedos a seus pés, quando uma formiga chama a
sua atenção carregando uma grande folha. O inseto entra em
uma rachadura no meio fio da calçada, sumindo do campo
visual do menino. Ele se abaixa e olha para a rachadura,
já não vê o inseto mas, no interior da rachadura encontra
uma pérola, que brilha refletindo o céu. Seu olhar brilha
de excitação. Ele a apanha com a ponta dos dedos, coloca
sobre a palma da mão. A mão que recebe a pérola já não é a
mão de um menino, mas a de um velho, com as rugas que o
tempo traz. Ele leva a pérola próxima ao rosto para
observa-la melhor. É Pedro já velho, que observa de óculos
atentamente a perola e seu olhar brilha intensamente como
a pérola.
FADE OUT
FIM
EU SOU ELE”
Roteiro de Fernando A Medeiros
FADE IN :
EXT. PRAIA - NOITE
Zé, um rapaz jovem, robusto, com pele clara, cabelos loiros
curtos e traços abrutalhados, está agachado na beira do mar,
lavando o rosto e os braços. Sua roupa e seu corpo estão
ensangüentados. A lua reflete sua luz na água. Um policial
se aproxima com uma arma na mão. POLICIAL Quieto!!
Zé continua se lavando e esboça um sorriso, falando: ZÉ Eu sou ele !
CLOSE – LUA REFLETIDA
na água, que está na mão em concha, de ZÉ.
FUSÃO PARA:
EXT. CASA EM CONSTRUÇÃO - DIA
CLOSE – CROMADOS
de carro, em movimento. Cabelos loiros ao vento.
VOLTA À CENA
Joca, jovem artista plástico, passa em direção à sua casa
de bug, com uma bela mulher loira. O som do carro alto,
clima de descontração. Subida de uma rua de condomínio
2
classe média, com natureza exuberante. Lindo dia azul. O
carro passa e a CÂMERA ACOMPANHA A CENA, até enquadrar Zé,
que empurra um carrinho de obra, ao lado da construção. Zé
olha pôr cima do ombro em direção ao carro que passa, seu
olhar é de desejo. Carro passa e levanta folhas e poeira do
chão. Zé para, pega uma pá e começa a carregar o carrinho de
mão.
CLOSE - LÂMINA
da pá penetrando na areia.
FUSÃO
EXT. JARDIM DA CASA DE JOCA - DIA
Carro ATRAVESSA O QUADRO na mesma direção do movimento da
pá. Joca chega em sua casa, bonito jardim, casa rústica,
tipo chalé, com varanda, piscina e vista do mar.
CORTA
CLOSE – MULHER LOIRA
desce do carro, ela está de short, pernas torneadas descendo
do carro.
VOLTA À CENA
cabelo sobre os ombros nus, ela está de bustiê, clima
sensual. Joca envolve a sua cintura com a mão.
CORTA
INSERT – REDE NA VARANDA
da casa de Joca balança e cachorro de porte médio, pula de
dentro, em sinal de alerta.
3
VOLTA À CENA
Eles chegam a entrada da casa, abrem a porta e entram.
CORTA
INT. CASA DE ZÉ - ENTARDECER
Zé abre a porta e entra, suado, sujo. Sua mãe, senhora
mulata, rosto marcado pela vida, magra e de pequena
estatura, fecha e tranca a porta. Ela está de avental, saia
rodada bem surrada, lenço na cabeça e colher de pau na mão.
A casa é de alvenaria, tijolos a mostra, teto de laje,
pequenas janelas basculantes iluminam o ambiente, soturno e
esfumaçado, um aparelho de rádio, está sintonizado em
estação AM, programa popular, pela janela avista-se a
paisagem da favela, outras casas de laje, antenas, fios
emaranhados e roupas penduradas em arames. MÃE
Veio de mãos abanando de novo? Não sei prá que você trabalha, esse seu patrão não te paga não? ou ficou vagabundeando por aí ? ZÉ
Mãe, ele disse que só a próxima semana...
MÃE
Você é um imprestável igual seu pai ! Maldita a
hora que tu nasceu.
Pai moribundo, com poucos cabelos loiros e rosto marcado por
rugas e feições embrutecidas, está deitado no sofá em
4
PRIMEIRO PLANO, vestido de pijamas, sua aparência é doen-
tia. Zé, caminha pela casa em direção a uma janela
basculante, mãe, ao fundo, cozinha. As panelas são
de alumínio, amassadas e queimadas pelo velho fogão.
CLOSE - NA COMIDA
que está sendo feita, panela preta, amassada, colher de pau
mexe a mistura de "milharina" e pés de galinha. VOLTA À CENA
Zé olha através das folhas do basculante, sua mãe continua
a praguejar. O som da voz vai ficando distante e sendo
substituído pelo burburinho externo, vozes, crianças, mães
chamando seus filhos, passarinhos, rádios e tvs, etc..
EXT. FAVELA - ENTARDECER
POV DE ZÉ
que olha pela janela à paisagem: poste todo enrolado com
fios elétricos, pipas, tênis, tudo enrolado nos fios.
“Visual” de Zé continua seu passeio em direção ao céu, pipas
no alto. Pipa mais alta, mergulha em direção a outra. Linhas
se cruzando.
CLOSE – LINHAS
brilham quando serol reflete o sol. Linha sendo cortada. VOLTA À CENA
Pipa voa e vai caindo até desaparecer por trás das casas. INT. CASA DE ZÉ - ENTARDECER
Pai em PRIMEIRO PLANO, vomita sobre o próprio corpo,
5
MUDANÇA DE FOCO para Zé que vira-se para olhar.
CLOSE - NA EXPRESSÃO
de desdém da mãe, que também olha para o moribundo e retorna
a atenção, à comida. Ela começa a servir os pratos.
Eles são de plástico, com algumas queimaduras nas bordas ou
embaixo. Colheradas vigorosas, penetram a mistura.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA - ENTARDECER
Mão de Joca, no mesmo angulo movimento da colher, acaricia
seio de mulher, cena de amor. Detalhes do contraste da cor
da pele morena com a pele clara. Câmera percorre o corpo dos
dois, que se movimentam em ritmo lento e sensual, como se
estivessem fazendo amor.
PLANO CONTÍNUO
saindo da cama, onde os dois se encontram, em direção a
janela do quarto. O céu está laranja, após o por do sol no
mar, visual deslumbrante.
FUSÃO
EXT. RUA FAVELA / BIROSCA - ENTARDECER
Brilhos, com as cores do pôr de sol, nos enfeites da
fantasia de bate bola.
CLOSE - CACHORRO VIRA LATA
dorme na calçada, ao lado de garrafas de cerveja, bola do
bate bola, bate no chão, com violência, próximo ao seu
focinho, o cachorro corre assustado.
6
VOLTA À CENA
Crianças observam o grupo de bate bolas, suas danças e
brincadeiras. Eles estão em frente a uma birosca de madeira,
pintada em cores berrantes. Um dos bate bola, conversa com
duas garotas, que estão vestidas de corpete e short colante.
Um dos bate bolas é Zé, que está com a máscara levantada,
mostrando o rosto, ele olha ao redor aturdido e volta sua
atenção para as garotas, olhando abobalhado.
POV DE ZÉ
CLOSE - NAS CURVAS
A) dos seios da garota, desenhados na blusa.
B) nas bundas.
C) nos rostos.
GAROTA 1
Onde vocês vão zoar hoje ? BATE BOLA 1
Vamos lá, pro lado da Barra. GAROTA
Nós podemos ir com você ? BATE BOLA 1
Qualé ? Só vai homem !
Garota aponta em direção a Zé que está em PRIMEIRO PLANO.
GAROTA 1
Você prefere sair sozinho com esses babacas ?
Tem até retardado !
BATE BOLA 1
7
Ihhh...qualé ? O Zé é maluco mas é maneiro. A
rapaziada é sangue bom, é tudo irmão!
GAROTA 1
Você vai acabar é maluco que nem ele, é isso aí!
Té mais!!
Zé escuta, a distância. As garotas caminham em sua direção e
passam ao seu lado.
CLOSE – Zé
A) olha com o canto do olho, inibido.
B) as garotas viram o rosto, em desprezo.
VOLTA À CENA
Seqüência de planos de bate bolas dançando, pulando e
batendo suas bolas em excitação crescente. Explorar o
grafismo das roupas.
FUSÃO
EXT. CASA DE JOCA / PISCINA - NOITE
CLOSE – BIKINI
cai na beira da piscina, ao lado de pé feminino.
VOLTA À CENA
Corpo nu de mulher morena, corta o ar em mergulho, IMAGEM
SUBMARINA do corpo cortando a água, Joca também mergulha na
piscina. IMAGEM SUBMARINA, mostra a troca de carícias.
Bolhas de ar resultantes dos movimentos na água ocupam a
tela.
8
FUSÀO
EXT. PONTO DE ÔNIBUS - NOITE
Miçangas azuis das roupas dos bate bolas , descortinam
faróis de ônibus chegando.
CLOSE – ESTRIBO DE ÔNIBUS
bola “pipoca” no chão com força, pés dos bate bolas subindo no ônibus em disparada.
VOLTA À CENA
Frenesi na entrada do grupo, que se espreme para entrar no
ônibus, em grande algazarra. ZOOM IN até as roupas ocuparem
todo o quadro e desfocar.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA / SALA
CLOSE - RESPINGOS
de tinta, em pintura impressionista, pincel entra em quadro
fazendo uma faixa contínua de tom vermelho sangue.
VOLTA À CENA
Sala espaçosa, decorada com pouca mobília e decoração
artística. Joca está pintando um quadro. Imagem “clean”, de
paz, tranquilidade e concentração.
CORTA
EXT. ÔNIBUS - NOITE
SÉRIE DE PLANOS
A) Passageiros riem.
B) Outros se sentem incomodados.
C) Mãe protege seu filho.
9
D) Homem puxa para si, saco de linhagem preta, com fiada de
caranguejos vivos.
CLOSE DOS CARANGUEJOS
que esperneiam, tentando sair do saco.
VOLTA À CENA
O ônibus está cheio, com pessoas em pé, que se espremem
frente a bagunça dos bate bolas. Duas garotas em pé com
colares de plástico e short são cercadas por alguns bate
bolas, eles se encostam, apertando as garotas e roçando os
corpos. Uma das garotas, faz cara de brava e cutuca barriga
do bate bola com o cotovelo. Frenesi aumenta, as luzes da
rua surgem conforme o ônibus se desloca pela estrada cheia
de curvas. As pessoas estão ansiosas. Um dos bate bola, bate
com o pau que segura a bola na luminária do ônibus,
espatifando-a.
CLOSE – PAU
quebrando a lâmpada. Várias lâmpadas são quebradas.
VOLTA À CENA
O frenesi chegou ao seu auge. As pessoas apavoradas, gritam,
os homens reclamam, as crianças choram. A bagunça no
interior do ônibus é grande. As luzes dos postes da estrada
refletem nos brilhos e nos corpos suados e definem os
contornos dos passageiros e bate bolas, em piscadas de luz,
conforme o ônibus em movimento passa velozmente pelos
postes. Janelas começam a ser quebradas, pessoas entram em
10
pânico. Ônibus sai da estrada e para próximo a um boteco.
Bate bolas saem do ônibus, pela porta da frente e através
das janelas quebradas, fazendo grande alvoroço e ocupando
toda a tela.
FUSÃO
EXT. JARDIM CASA DE JOCA - NOITE
Casal, Joca e mulher morena saem da casa e se dirigem
conversando ao carro. Entram no carro, conversando e
trocando sorrisos. Joca acende um cigarro e passa para ela,
arrancando com o carro em direção a saída.
CORTA
EXT. RUA DA BARRA / BOTEQUIM - NOITE
Carro de Joca passa em frente ao botequim onde o grupo de
bate bolas faz bagunça. Zé está eufórico batendo sua bola e
pulando como um louco. Bola bate no chão e carro de Joca
passa ao fundo.
POV DE ZÉ
Carro de Joca passa próximo a Zé e se afasta.
VOLTA À CENA
FUSÀO
EXT. CASA EM CONSTRUÇÃO - DIA
CLOSE – SEU TAMOIO
dono da obra, esbraveja( sotaque paulista ).
TAMOIO Pôrra meu, você tá muito mole!
11
VOLTA À CENA
Seu Tamoio é um sujeito baixo, ligeiramente gordo,
barrigudo, morador da zona sul do Rio. É um sujeito
matreiro. Sempre diz que está sem dinheiro, mas está fazendo
uma casa de praia requintada, veste-se bem e possui um carro
esportivo.
PLANO CONTÍNUO EM TRAVELING
Ele está em pé, sobre um monte de terra ( para aumentar a
sua altura ), próximo ao carro, com as mãos na cintura, em
atitude prepotente, esbravejando com o PEDREIRO. Zé com saco
de cimento nas costas cruza a cena, olhando para o chão.
Tamoio, embora olhe na direção da movimentação inicial de
Zé, dirige a sua bronca ao pedreiro.
TAMOIO
Você parece uma puta lesma, meu! Assim eu não
vou poder vir passar o carnaval aqui. Puta que
te pariu, , não sei porque que eu te agüento,
quero te dar uma força, mas você não reconhece
o meu esforço, uma vez por semana tenho que
vir de Ipanema até aqui prá ver como tá a obra
e chego aqui...porra nenhuma, você não fez
nada.
CLOSE
DINHO, o pedreiro, enfia a lâmina da colher de pedreiro na
massa de cimento.
12
VOLTA À CENA
Dinho embossando a casa, fala calmamente, fumando um
cigarro, pendurado no canto da boca. Dinho é um camarada
tranqüilo e trabalhador, no ritmo da beira de praia, é
claro. Rapaz simples, semi analfabeto. DINHO
Poxa, seu Tamoio, eu e o Zé tamo trabalhando
direto, aqui nesta empleita. O senhor nem tem do
que reclamar.
TAMOIO
O que? Como é que é? Que trabalhando porra
nenhuma, cês tão é mamando o meu dinheiro.
Zé passa carregando mais um saco de cimento, olhar submisso. DINHO O sr. vai pagar hoje ?
TAMOIO Só uma parte...
Tamoio pega o telefone celular e começa a discar, como se
estivesse a encerrar a conversa e ter mais o que fazer.
... prá vocês... irem ...se segurando, a coisa
tá preta. DINHO
Mas seu Tamoio, eu tenho família e também tenho
que pagar o Zé que não paguei a semana passada.
TAMOIO
13
Alô...Alô...Merda, a bateria está acabando. Tô
dizendo que a coisa tá preta. Com essa grana que
vou te dar hoje você paga uma parte pro
maluquinho... (cont.)
Tamoio tenta a ligação, novamente.
CLOSE – ROSTO
de Zé, mo meio da poeira do cimento, ele olha para o lado
com expressão amargurada.
VOLTA À CENA
TAMOIO
( cont. )...e fica tudo certo, segunda feira
venho aqui e se você terminar te pago tudo, tá
bom ? Alô...Alô...
Zé descarrega saco de cimento, em um monte de areia
preparado para fazer a massa. Ao fundo Tamoio ainda tentando
fazer a ligação, se dirige ao seu carro, entra e arranca,
DESCORTINANDO a obra, o pedreiro e Zé que passa na frente da
cena, carregando mais um saco de cimento.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA / ENTARDECER
Zé aparece por trás de uma árvore, se esgueirando pelo mato.
POV DE ZÉ
Joca está pintando na varanda, o carro está parado no
quintal e está mais próximo. Um vulto na janela chama a
atenção, é uma mulher loira que esta passando.
14
VOLTA À CENA Zé se esconde para não ser visto. Caminha em volta da casa.
CLOSE - CACHORRO
levanta as orelhas em estado de alerta.
VOLTA À CENA
Zé olha uma árvore e conclui que pode dar acesso à casa,
entrando pelo andar superior, no quarto de Joca. Vozes de
Joca e da mulher chegam até Zé, ele se esconde. A porta
principal da casa, abre-se e o casal sai para o jardim a
conversar.
LOIRA
Poxa, você não vai me levar lá embaixo? JOCA
Não vou não, princesa. Estou muito ocupado
terminando um quadro, que tenho que entregar
ainda hoje.Vou te levar até o portão, tá legal? LOIRA Fazer o quê, brotinho?
Fala a garota com certo desâimo. Joca dá um beijo e abre um
sorriso.
JOCA É bom para engrossar as pernas!
Ela dá um beijo em Joca e se afasta.
Zé observa toda a cena de seu esconderijo. Joca volta para a
casa e fecha a porta. Zé sai do meio do mato e se
esgueirando, segue a mulher pela estrada.
15
CORTA
EXT. ESTRADA DO CONDOMÍNIO - ENTARDECER
Loira caminha feliz, na estrada dá uma última olhada para Joca. Zé a segue ao fundo.
CLOSE – OLHAR
de Zé caminhando.
POV DE Zé rebolado da loira ao caminhar.
VOLTA À CENA
Zé cai em um buraco no meio do mato, fazendo barulho Ela
para olha em volta e não vê nada. A cabeça de Zé reaparece
por trás de uma moita.
EXT. PONTO DE ÔNIBUS – DIA
Ela chega ao ponto de ônibus, silhueta de Zé, que a observa
em PRIMEIRO PLANO ocupa o quadro.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA / VARANDA - NOITE
Pincelada escura na tela. Joca está pintando um quadro na
varanda. Para de pintar, guarda os pincéis. Caminha para o
interior da casa e apaga a luz. Silhueta de cachorro pula
para dentro da rede, na varanda.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Moita de capim é afastada e surge o rosto de Zé.
POV DE ZÉ
16
luzes da casa se apagando.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Luz se acende, Joca entra no quarto, tira a cueca, fica nu.
A porta do quarto que dá para a varanda está aberta. Ele
deita, se enrolando no lençol, deixando apenas o rosto a
mostra, como de costume. Apaga a luz.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Lenta PANORÂMICA da casa e do jardim, as luzes estão
apagadas, ruído de grilos. Sombra de Zé é projetada na
parede da casa, ao lado da árvore que dá acesso ao andar
superior.
CLOSE – MÃO
Apalpa a faca que está na cintura e inicia a escalada da
árvore.
VOLTA À CENA
Passa pela varanda ( escalando a árvore ) onde está a rede
com o cachorro dormindo dentro.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Varanda do quarto de Joca, árvore balança. Surge Zé que
acabou de escalar a árvore. Em um gesto felino pula para
dentro da varanda. Joca dorme. Na parede do quarto aparece
a silhueta de Zé que entra no quarto, pega a faca na
cintura. Anda ao lado da cama de Joca, de um lado para
outro, ansioso, observando se o mesmo dorme. Já mais
17
tranquilo após confirmar que Joca dorme, desce a escada em
direção ao...
CLOSED
acende um fósforo para iluminar o ambiente. O closed é
grande, as roupas estão penduradas em uma arara. Uma
sapateira, um cabideiro e uma cômoda com gavetas, compõem o
ambiente despojado. Ele procura sobre a cômoda e encontra
uma carteira com documentos e dinheiro. Zé apanha o
dinheiro, o fósforo queima o seu dedo e se apaga. Ele acende
outro fósforo. Volta a mexer nos objetos que estão sobre a
cômoda e encontra uma pequena agenda de telefones. Aproxima
o fósforo do objeto, iluminando-o para ver do que se trata.
Esboça um sorriso e apaga o fósforo.
QUARTO
Zé passa por Joca que continua a dormir e sai pela varanda
em direção a árvore. A árvore balança com o peso de Zé.
Passa ao lado da varanda onde se encontra o cachorro
dormindo, dentro da rede. Silhueta de Zé descendo pela
árvore e passando pela rede, onde o cachorro dorme.
CORTA
INT. CASA DE ZÉ - NOITE
Zé, em sua cama, com um abajur improvisado, observa a agenda
de telefones, roubada de Joca.
CLOSE
A) Nomes femininos, anotados na agenda
18
B) Expressões de Zé.
VOLTA À CENA
Movimentos sob a coberta sugerem que Zé está se masturbando.
CLOSE
A) Expressão de prazer. B) Agenda caindo no chão.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA - DIA
O Sol penetra no quarto iluminando o rosto de Joca, que
ainda dorme. Ele abre os olhos, se espreguiça, levanta nu da
cama e desce para o ...
CLOSED, passando pela cômoda e se dirigindo ao ...
BANHEIRO. Toma banho, volta ao ...
CLOSED onde se enxugando. Veste a calça, abre a gaveta pega
o relógio e a chave do carro. Procura pela agenda e pelo
dinheiro. Abre portas e gavetas da cômoda. Procura nos
bolsos. Sobe ao...
QUARTO e revira tudo.
JOCA
Merda, onde foi que eu enfiei essa agenda ? E
a grana, será que perdi ?
Olha no relógio de novo, vê que está atrasado. Desce para o...
CLOSED
Veste a camisa, pega a chave do carro e sai do closed.
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA
19
Joca sai rapidamente em direção ao carro, está carregado de quadros. Acomoda os quadros no carro, embarca rapidamente e
arranca com velocidade.
EXT. ESTRADA DO CONDOMÍNIO - DIA
Joca dirigindo seu carro rapidamente. Olha para o retrovisor
que reflete seus olhos.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA - noite
FLASHBACK – Joca relembra cada ação da sua chegada em casa
na noite anterior. TRATAMENTO DIFERENCIADO da imagem: Joca
acende a luz, entra no closed, tira a camisa e joga sobre o
cabideiro, enfia a mão no bolso da calça e tira o dinheiro e
a agenda de telefones. Deposita tudo sobre a cômoda, o
dinheiro, a agenda e a chave do carro.
CORTA
EXT. ESTRADA DA CASA DE JOCA - DIA
CLOSE - VOLANTE
Joca esmurra
VOLTA À CENA
Joca dirigindo o carro, esmurra a direção repetidamente
Reflexo da imagem de Joca, puto, no espelho retrovisor.
JOCA
Roubaram a minha grana...
CLOSE – MÃO
20
passa a marcha e seu pé pisa o acelerador.
VOLTA À CENA
Carro de Joca passa em alta velocidade pela construção.
Zé está fazendo massa. Olha em direção ao carro, pelo canto
do olho.
CORTA
INT. CASA DA ASTRÓLOGA - DIA
CLOSE - MAPA ASTRAL Sobre uma mesa, livros de astrologia e vários papeis, sendo
um deles um mapa astral.
VOLTA À CENA
A casa é espaçosa e bem decorada, a astróloga é jovem e
bonita, tem uma personalidade carismática, seus olhos são
brilhantes e envolventes, sua voz é calma, porem firme.
Eles estão em uma mesa redonda, na sala. ASTRÓLOGA
Sente-se aqui ! Olha só que interessante! Tem
uma conjunção de Júpiter com Saturno, que está
muito forte nesse período do seu trânsito.
Você, por um acaso, vai se mudar?
Joca chega até a mesa, senta-se e responde surpreendido e
sorrindo.
JOCA Espera aí ! Vamos devagar. Primeiro, eu não vou
me mudar e segundo...não sei o que é trânsito !
21
ASTRÓLOGA
Você não pediu, em troca do quadro, prá eu fazer
"tudo o que você tinha direito"? Pois bem, segui
as suas orientações.
JOCA
E então? O que, que é, esse tal de trânsito ? Eu
só conheço mapa astral.
ASTRÓLOGA
Então taí! Foi isso que fiz, o mapa astral é a
representação do céu, na hora e local que você
nasceu. Já o trânsito é o céu em movimento, os
astros se movendo e criando configurações
diferentes conforme passam por sua cabeça. O
trânsito, é conhecido popularmente como
horóscopo. Dá para se fazer o trânsito por
horas, dias, meses, ou mesmo anos, a pessoa que
escolhe. Para você, eu fiz apenas para este mês
e o próximo.
JOCA
Não sei se a gente tem o direito de saber o
futuro.
ASTRÓLOGA
Nós não sabemos. Sabemos apenas das influências
que os astros transmitem, de acordo com suas
posições no céu e suas combinações em relação
22
aos outros astros, aí vem a interpretação, das
configurações. Na verdade, são tendências, não
fatos consumados. Você pode usar essas
informações para viver melhor, sabendo quais os
aspectos, que lhe são favoráveis, e usufruir
dessa boa configuração. Ou, se são
desfavoráveis, evitar as situações que podem
levar a consumação da previsão.
JOCA Tá bom, então vamos lá !
ASTRÓLOGA
Como eu estava dizendo tem uma configuração aqui
no seu mapa que é um indício de mudança, você
não está mesmo pensando em mudar-se de casa ?
JOCA Não ! ASTRÓLOGA
Nem vai reformar sua casa ? Pintar ? Trocar de
quarto ?
Joca responde, negativamente, acenando com a cabeça e já
mostrando irritação, quanto a insistência da astróloga. JOCA
Olha só Leí(astróloga), eu estou duro, não vou reformar
nada, estou sem trabalho, a casa é minha, não
pago aluguel e além de tudo me roubaram uma
23
grana, daí acho que algo aí nesse trânsito deve
estar errado. ASTRÓLOGA
Puxa, que chato...Sei não...tá muito forte, no
máximo em uma semana... Mas, vamos pôr partes,
que história é essa que te roubaram ?
JOCA
Pô, eu deixei a grana em cima da cômoda quando
cheguei ontem a noite em casa e hoje sumiu, deve
ter sido um desses "mui amigos" que a gente abre
as portas e vapt, lá vem rasteira.
ASTRÓLOGA
É... deixa prá lá, que eu também tenho uma
história , de um dinheiro que sumiu daqui de
casa, que até hoje estou procurando atrás dos
móveis. Vamos falar do seu mapa e de você.
Depois falaremos do trânsito.
Você nasceu com a Lua no ....
Os dois continuam a conversar, ZOON OUT, o diálogo vai
ficando incompreensível.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Faróis de carro iluminam o jardim, Joca chega em casa. Ele
desce e descarrega as compras.
24
CORTA
INT. CASA DE JOCA / noite
Joca entra em casa e se dirige à..
COZINHA
descarrega e arruma as compras, se dirige ao...
CLOSED
tira a camisa, enfia a mão no bolso, pega o dinheiro e
documentos, vai coloca-lo sobre a cômoda, mas para a ação,
indeciso. Opta por esconder o dinheiro sob a escultura que
está sobre a cômoda. Tira as calças e joga em direção ao
cabideiro onde já está a camisa e sai apenas de cuecas, em
direção ao...
BANHEIRO
Olha-se no espelho, coloca pasta na escova de dentes e
inicia a escovação.
FUSÃO
INT. CASA DA ASTRÓLOGA - DIA
FLASHBACK / TRATAMENTO DIFERENCIADO DA IMAGEM
ASTRÓLOGA Você vai se mudar !
INT. CASA DE JOCA / BANHEIRO - NOITE
CLOSE – DENTES
de Joca sendo escovados, imagem refletida, ZOOM OUT.
JOCA Mudar, hum ! ! !
Esboça sorriso, com escova de dentes dentro da boca
25
Abre a torneira e pega água para bochechar. Bochecha, cospe,
pega mais água e lava o rosto. Pega a toalha e se enxuga.
Quando tira a toalha do rosto sua imagem está refletida no
espelho, a toalha vai descortinando seus olhos que olham
fixos para o espelho, preocupação.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA / CLOSED - NOITE
FLASHBACK / IMAGEM DIFERENCIADA
Mão colocando o dinheiro sobre a cômoda.
VOLTA À CENA
Joca sai da frente do espelho.
CORTA
CASA DE JOCA / QUARTO - noite
Joca cobre-se, de forma a ficar apenas o rosto aparecendo
Apaga a luz.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - noite
Mão apalpa o cabo da faca na cintura, pés calçados com tênis
velhos, caminham silenciosamente pisando as folhas.
CORTA
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
A sombra de um homem, iluminada pela Lua, se sobrepõe a
sombra das molduras dos vidros da porta entreaberta, do
quarto aberta projetada na parede. Vulto chega junto a cama
de Joca, confere que o mesmo está dormindo e desce a escada
26
em direção ao ...
CLOSE - Zé
acende um fósforo.
VOLTA À CENA
Encaminha-se diretamente a cômoda, onde supõe estar o
dinheiro. Procura e não acha. Encontra a chave do carro.
Apanha a chave, o fósforo se apaga.
Acende outro fósforo, olha para o cabideiro onde está a
camisa e a calça. Revista as roupas e não encontra nada
Fica possesso, seu olhar é de revolta. Olha em direção ao
quarto de Joca.
CORTA
INT. CASA DE JOCA / SALA - DIA
IMAGEM DIFERENCIADA, ( sonho de Joca )
Quadro sendo pintado. No quadro surge um rosto de mulher.
Joca olha. Mão de mulher corre pelo pincel vermelho, com
movimento sensual. A mão fica toda manchada de vermelho
conforme segura o pincel. Apanha o pincel da mão de Joca e
começa a cutuca-lo no peito e nas costelas, balbuciando
sensualmente, entre sorrisos. MULHER DA TELA Acorda...acorda...acorda...
CORTA
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
POV DE JOCA
27
Vulto ameaçador, fora de foco.
VOLTA À CENA
Zé, em pé ao lado da cama, cutuca Joca com uma faca de ponta
redonda ( faca de manteiga ), a voz da mulher do sonho, é
substituída pela de Zé. ZÉ Acorda, acorda. Cadê a grana ? Cadê a grana ? Joca consegue focar o vulto e segura a lamina da faca, ela é
de ponta redonda e cega. Zé puxa a faca das mãos de Joca com
violência, que não se corta. Joca ainda está zonzo, por
acabar de acordar. Zé está muito nervoso e se afasta um
pouco da cama, porém continua a ameaçar Joca com a faca.
ZÉ
Cadê a grana, pôrra ?
Joca senta na cama rapidamente, passa a mão pelo cabelo.
JOCA
Qual é cara ? Não tenho grana não...to duro !
Zé continua a ameaçar Joca, e repetir a ameaça, ele tem a
faca em uma das mãos e a chave do carro na outra. ZÉ
Cadê a grana ? Cadê a grana ? JOCA
Não tenho grana não, to sem trabalho, tô duro.
Zé mostra a chave do carro e mudando radicalmente o tom da
fala , faz um pedido infantil para Joca.
28
ZÉ
Pôxa, você com esse carro, vamos, nós dois
para São Paulo!
Joca olha surpreso. JOCA Ir prá São Paulo ? Tá maluco ?
Zé fica agitado com a resposta de Joca e volta a ameaça-lo
com a faca, em seu rosto.
ZÉ
Não me chama de maluco! Não me chama de maluco!
Joca tenta acalmar o invasor e fala pausadamente.
JOCA
Não posso ir para São Paulo, não tenho dinhe-iro
e tenho que ficar aqui, para trabalhar e ganhar
algum para sobreviver.
Zé, como se não tivesse escutado a explicação de Joca.
ZÉ A gente pega o carro e vai prá São Paulo! JOCA
Cara, eu não posso ir agora para São Paulo, eu
não tenho dinheiro, tenho que ficar e trabalhar,
se não vou viver do quê ? ZÉ
Eu...eu já vi... você passar de carro com lindas
mulheres.
29
JOCA Quer dizer, que você veio aqui atrás de mulher ?
ZÉ
Não ! não ! meu pai...meu pai morreu de barriga
d'água, estou sem dinheiro e...e o meu patrão
não me paga...eu sô trabalhador, num sô ladrão.
Zé começa a chorar e abaixa a faca
Joca percebe ser o momento de interferir, senta-se melhor na
cama e fala calmamente.
JOCA
Senta aqui. Se importa que eu acenda a luz ?
Zé senta-se choramingando na cama, ao lado de Joca. ZÉ Pode acender!
Joca acende a luz, ele está nu ao lado de Zé que está
vestido com uma calça jeans surrada, camiseta de político,
tênis velho rasgado. Joca pega um cigarro e oferece para Zé.
JOCA Você fuma ?
ZÉ Não!
JOCA
Olha para mim, cara ! Vamos conversar. Você
falou das mulheres. Você não tem namorada, não ? ZÉ
As garotas me sacaneiam, me chamam de maluco e
retardado.
30
JOCA
Pô cara, você é um garotão novo, forte. Pode
arrumar trabalho e namorada, tem tanta mulher
por aí...
ZÉ Eu nunca tive namorada !
JOCA
Tá certo, ainda não pintou alguém para você, mas
é só uma questão de tempo. De toda forma não
precisa sair entrando na casa das pessoas com
uma faca para arrumar dinheiro.
ZÉ
Eu nunca fiz isso...é a primeira vez. Mas o que
posso fazer...estou sem dinheiro. Eu trabalho,
mas meu patrão não me paga, tem mais de mês. Meu
pai morreu na semana passada, de barriga d'água.
Agora, sou só eu e minha mãe. Nós mora lá pro
lado do Campinho, eu tenho...
Zé fica com os olhos cheios de lágrimas e se agita nervoso.
JOCA
Tá bom, tá bom, fica calmo que eu vou te dar uma
força. Tenho um terreno grande que está
precisando capinar o mato, não é muita coisa,
mas já dá prá você ganhar uma grana, tá afim ?
31
ZÉ Tô, tô precisando..
JOCA
Então, hoje é terça, amanhã vou passar o dia
fora, vamos marcar prá quinta feira de manhã, tá
ok? ZÉ Tá..tá bom!
Zé abre um sorriso, que mostra a falta de vários dentes.
Substitui o sorriso rapidamente, para uma expressão séria. JOCA
Agora vai pra casa e me deixa dormir. Você tem
dinheiro para o ônibus ? ZÉ Não !
Joca pega umas moedas que estão em um pote ao lado da cama. JOCA
Toma aí esses trocados, vai lá. Te espero
quinta, tá ok?
Zé de cabeça baixa.
ZÉ Obriga ..obrigado seu Joca.
Zé se dirige a varanda do quarto, para sair pela árvore, por
onde entrou. JOCA
Vai pra onde?
32
Joca sorri nervosamente do absurdo da situação.
ZÉ Vou embora!
JOCA
Que é isso, vamos por aqui, te levo até a
porta.
Os dois descem a escada, Zé desce na frente.
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
A porta se abre, Zé sai e Joca fica na porta , eles se
despedem com um aperto de mão. JOCA
Então, até Quinta-feira!
ZÉ Tchau!
Joca fica na porta observando Zé se afastar pela estrada,
depois entra em casa, fecha a porta, as luzes da casa se
apagam.
CORTA
INT. PADARIA - DIA
Joca está com amigos tomando café no balcão.
CLOSE DO PÃO
com manteiga derretida, sendo molhado na xícara de café com
leite.
VOLTA À CENA
Joca relata o fato ocorrido.
33
JOCA
...eu dei o dinheiro prá ele pegar o ônibus e
ele quis sair pela árvore, aí eu não deixei e o
levei até a porta, marcando com ele pra vir
capinar o terreno na quinta feira AMIGO 1
Você é muito babaca, acha que vai salvar o
mundo, tá maluco ? Não vai dar queixa na polícia ?
JOCA
Eu não, o cara tava desesperado, vou entregar
ele para a polícia ? Aí sim a vida dele vai
ficar um inferno. Acho que posso dar uma força,
só isso !
AMIGO 2
Eu já vi ele aqui na padaria, neguinho chama ele
de maluquinho. Não é aquele que trabalha com o
Quinho, na obra do seu Tamoio ? JOCA
É sim, ele disse que o Tamoio não paga ele faz
tempo.
AMIGO 1
Aquele Tamoio é um bom filho da puta, tremen-do
explorador, eu conheço o Quinho, vive duro.
Dono da padaria que prestava atenção a tudo sem dar
34
opinião, joga o pano de prato que está em suas mãos sobre o ombro.
DONO DA PADARIA
O Quinho, tem um prego aqui, que não paga fa-zem
dois meses. Eu já vi ele acompanhado des-se tal
de Zé. Não é um russo forte, com cabe-lo rente ?
AMIGO 2 É esse mesmo AMIGO 1 Deixa de ser babaca e entrega ele prós home.
JOCA
Que nada, agora já dei minha palavra. Se eu
entregar ele, aí sim vou foder de vez com a vida
do garoto, ele nunca vai ser ninguém. Marquei
com ele amanhã de manhã,......se ele não vier,
aí vou começar a ficar preocupado.
Joca mergulha o pão no café com leite, encerrando o papo, os
amigos observam, o dono da padaria enxuga o queixo com o
pano de prato que está em seu ombro, balança a cabeça, como
quem diz : "tem jeito não" e sai da cena.
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA
Galo cantando no jardim, em meio as galinhas que ciscam o
terreno.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - DIA
Joca acorda sobressaltado, levanta-se da cama e olha pela
janela do quarto em direção ao jardim, avistando o galo e as
35
galinhas que ciscam o terreiro, ao lado do carro. Ninguém no
jardim, olha para o relógio, olha outra vez em direção ao
portão de entrada, não aparece ninguém. Enxota as galinhas
e volta para a cama, deita-se tentando dormir, vira para um
lado, vira para outro e resolve ficar olhando para o teto
pensativo, depois olha para a árvore ( a que Zé escala para
invadir a casa ).
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA E NOITE
SÉRIE DE PLANOS
Com imagens do exterior da casa de Joca( fast ).
A) Joca sai de casa entra no carro, sai, galinhas passam
ciscando, cachorro corre atrás das galinhas.
B) carro chega, Joca brinca com o cachorro, entra em casa.
E) anoitece, acende as luzes.
F) apaga as luzes, clareia o dia.
G) galinhas passeiam no jardim, Joca abre a porta da frente
de bermudas, se espreguiça, fecha a porta, sai de casa já
vestido, entra no carro e sai.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Faróis do carro iluminam a noite, chegando ao portão de
entrada. Antes de parar o carro manobra iluminando a casa e
as redondezas.
CLOSE DA MÀO
de Joca que mexe na bolsa e pega um canivete automático
36
fechado, nervosamente aperta o botão e abre a lâmina.
VOLTA À CENA
Desce do carro com o canivete armado em uma das mãos,
compras e chaves na outra, caminha em direção a porta
olhando em volta nervoso, ainda com o canivete armado abre a
porta com as chaves, e entra em casa.
CORTA
INT. CASA DE JOCA - NOITE
POV DE JOCA
Cachorro pula em sua direção
VOLTA À CENA
Joca sorri, fecha rapidamente a porta ,desarma o canivete e
faz festa no cachorro, se dirigindo para a ...
COZINHA
deposita as compras e procura o facão que está no armário
Pega o facão e se dirige ao ...
CLOSED
Deposita o facão sobre a cômoda, esconde o dinheiro sob a
estátua, tira a roupa da maneira habitual, ficando apenas de
cuecas. Pega o facão e sobe para o ...
QUARTO
Joca pega uma pequena vértebra de baleia , que decora o
quarto, e a usa como cunha, para calçar a porta que dá para
a varanda e que não tem fechadura. A porta, por onde Zé
costuma entrar. Arruma a cama posicionando o facão ao seu
37
lado, sob o colchão. Tira a cueca e deita-se. Antes de
apagar a luz, experimenta pegar o facão para checar a
posição mais apropriada. Ruídos noturnos: grilos, sapos,
coruja.
CLOSE NOS OLHOS
abertos de Joca, que se vira na cama tentando dormir e não
consegue. Cobre a cabeça num rompante, deixando apenas o
nariz de fora.
CORTA
EXT. CASA EM CONSTRUÇÃO - DIA
Garfo de ferro penetra nas pedras ( britas ), MUDANÇA DE
FOCO para Joca que se aproxima a pé pela rua. Tamoio está
parado ao lado de seu carro esporte. Joca faz um aceno. JOCA
Bom dia, seu Tamoio! TAMOIO
Bom dia ! JOCA
O senhor tem um empregado, aqui na obra de nome Zé ?
TAMOIO
Tinha !....ainda bem que sumiu, aquele
retardado. O Quinho é que dava cobertura prá
ele, mas o cara não queria nada com o trabalho.
Quinho está trabalhando na obra e levanta a cabeça para
escutar melhor a conversa.
38
JOCA
É que ele esteve lá em casa, outro dia a noite e ........
Joca narra os fatos para Tamoio que o escuta, as vezes
sério, as vezes rindo. Garfo enfia mais uma vez nas pedras
e CÂMERA ACOMPANHA até descarregar as pedras no carrinho de
mão. O servente é outro, pega o carrinho e sai de cena, Joca
e Tamoio conversam ao fundo. TAMOIO
E você deixou ele ir embora ?
JOCA
Marquei pra ele vir na Quinta feira, mas hoje já
é Sábado e o cara não apareceu.
TAMOIO
Você é muito otário, quando ele virasse as
costas pra mim, enchia ele de bala, isso sim.
JOCA Mas eu não sou assim, não tenho nem revólver.
TAMOIO
Pois trata de arrumar um, esse cara invadiu a
tua casa e levou aperto de mão e grana pro
ônibus. Ele já sabe que tu dá mole, é capaz de
voltar.
Tamoio termina a frase as gargalhadas.
CORTA
39
INT. CASA DE JOCA / SALA - NOITE
Pingos de tinta vermelha caem no chão escorrendo da tela,
CÂMERA ACOMPANHA o percurso dos pingos, no sentido com-
trário, passando pelo facão que está ao lado até chegar a
tela que Joca está pintando. O cachorro late. Joca solta o
pincel e apanha o facão. Olha pela janela em direção a
escuridão empunhando o facão.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
ZOON OUT tela escura para dentro do quarto de Joca que está
calçando a porta da varanda, com o osso de baleia. Arruma o
facão sob a cama. Deita-se e cobre-se da maneira habitual. FUSÃO
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Lua brilha no céu, vulto cruza o quadro. Sombra de Zé na
parede externa da casa. Tênis rasgados caminhando no jardim.
A arvore se balança. Tênis sobem na árvore, ao fundo a
varanda com a rede, onde dorme o cachorro. Vulto pula a
grade de proteção para dentro da varanda. Pega a faca que
está enfiada na calça.
CLOSE NA LÂMINA
que brilha na luz da Lua, a lamina é pequena, pontiaguda e
afiada.
VOLTA À CENA
Sombra de Zé projetada na porta do quarto que dá para a
varanda, ela está fechada. Ele a empurra várias vezes.
40
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Vértebra da baleia que escora a porta vai cedendo aos
sucessivos empurrões, até que cede totalmente e a porta
abre-se. Joca acorda e olha sobre o ombro em direção a
porta.
POV DE JOCA
A porta se abre e Zé invade o quarto.
VOLTA À CENA
Mão de Joca procura e agarra o punho do facão. Sombra de Zé
se projeta sobre Joca que está deitado, todo coberto em
lençol branco.
CLOSE DA LÂMINA
Que brilha na luz da Lua.
VOLTA À CENA
Zé aproxima-se de Joca, curva-se sobre ele, ficando com seu
rosto bem próximo do rosto de Joca, mexendo com a cabeça,
procurando o melhor angulo, para observa-lo. Joca, com o
rosto parcialmente coberto, observa com o canto dos olhos o
seu visitante. Mão de Joca, aperta nervosamente o punho do
facão.
POV DE JOCA
o rosto de Zé bem próximo ao seu.
Não agüentando mais a tensão, Joca fala. JOCA Zé ?
Zé ao mesmo tempo que emite um grunhido como resposta,
41
levanta o braço rapidamente, a faca brilha na luz da Lua
Violentamente desfecha uma primeira facada. A faca se
enterra no corpo de Joca manchando o lençol de vermelho. Zé
desfere mais dois golpes violentamente. Mão de Joca alcança
e puxa o facão, ao mesmo tempo que, levanta-se com o facão
na mão se protegendo das facadas com o lençol
Zé golpeia repetidas vezes em diferentes direções. O facão
cai da mão de Joca. Expressão de horror de Joca, já com um
corte no rosto. O sangue espirra brilhando no luar
A lâmina corta a pele da perna de Joca, logo abaixo dos
quadris. Joca apavorado se defende com os lençóis. Na
parede branca do quarto, mão de Zé ensangüentada se apoia
deixando um rastro de sangue. Zé cai no chão com um chute de
Joca. Mão de Joca agarra o travesseiro. A luta é uma grande
confusão de sombras e lençóis manchados de sangue, que hora
desfraldam-se, hora modelam os corpos ensanguentados. Joca
alcança o ventilador e o atira violentamente em direção ao
seu oponente. O ventilador atinge a fronte de Zé , que
cambaleia tentando ficar em pé. Mão de Joca agarra a
vértebra de baleia. Joca brandi a vértebra como se fosse uma
clava, desfechando vários golpes em Zé, que se desequilibra
e escorrega escada a baixo. O rosto de Joca está todo
ensanguentado, ele coloca a mão no pescoço na tentativa de
estancar o sangue, acreditando estar ferido no pescoço.
CLOSED
42
Zé chega ao closed as cambalhotas, esbaforido, manchado de
sangue e com um ferimento na testa. Levanta-se, passa pela
cômoda rapidamente, pega os documentos e a chave do carro de
Joca e sai correndo.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Zé sai pela porta da frente correndo em direção ao portão de
entrada, ele está mancando.
CORTA
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Joca chega a janela e grita. JOCA
Socorro....socorro
POV DE JOCA
do quarto olha o jardim vazio, silêncio, apenas o ruído de
grilos. Zé já se foi.
Veste a cueca com dificuldade e sai.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Joca abre a porta da frente e saí, todo ensangüentado,
cambaleando na direção contrária a de Zé, ainda com a mão no
pescoço.
CORTA
EXT. CASA DO VIZINHO DE JOCA - NOITE
Joca chega até uma casa simples, com o pé direito baixo e
43
coberta por telhas. Bate a porta.
CORTA
EXT. ESTRADA DO CONDOMÍNIO - NOITE
Zé todo suado e ensangüentado anda rápido, com expressão de
satisfação. Olha para os documentos e a chave do carro de
Joca, que carrega em uma das mãos e depois os guarda no
bolso de trás da calça.
CORTA
EXT. CASA DO VIZINHO DE JOCA - NOITE
Joca bate de novo a porta, que finalmente se abre,
aparecendo o vizinho com cara de sono.
POV DO VIZINHO
Joca todo ensangüentado, com a mão no pescoço, sem camisa,
apenas de cuecas.
VOLTA À CENA
Vizinho fica surpreso.
VIZINHO
O que foi isso Joca ? JOCA
Um cara entrou lá em casa e me esfaqueou.
O vizinho segura Joca pelo braço e o direciona, à um banco
de tábuas, que está do lado de fora da casa, ao lado da
porta. Segura a mão que tenta estancar o sangue. Joca reage
como se não pudesse tirar a mão. VIZINHO
44
Deixa eu ver o estrago...
A mulher do vizinho e as crianças rodeiam Joca que está
sentado no banco. Joca tira a mão do pescoço lentamente,
incentivado pelo vizinho. O lugar onde estava a mão não tem
ferimento algum, nem sangue, apenas a marca da mão
desenhada, que impediu o sangue de escorrer pelo pescoço.
VIZINHO
Mas aqui no pescoço não tem nada !!! Tá
maluco. É o único lugar que não tem sangue no
seu corpo.
Joca sorri.
JOCA
Eu pensei que ele tivesse cortado a minha
jugular.
CORTA
EXT. PRAIA - NOITE
Zé mancando, anda em direção à praia, a rua está deserta.
CORTA
EXT. BARRA / INTERIOR DE VEÍCULO ( JOANINHA ) - NOITE
POV DOS POLICIAIS
Zé caminhando na areia em direção a água.
VOLTA A CENA
Um PM olha para o outro e aponta em direção a Zé.
CORTA
45
EXT. PRAIA - NOITE
Zé se aproxima da água, ao fundo o carro da policia para e
policial desce. Zé começa a se lavar. O policial chega com
a arma na mão. Percebe que Zé está ensangüentado. PM
Quieto!!
Zé não olha para o PM e continua a se lavar esboçando um
sorriso. Zé
Eu sou ele !!
Zé, com um movimento brusco, leva a mão, ao bolso traseiro
da calça. O PM assustado, achando que ele vai pegar uma
arma, dispara em sua cabeça a queima roupa. Zé cai na areia,
fulminado, com a carteira na mão.
CLOSE DE ZÉ
caído na areia, em sua mão a carteira de identidade e a
chave do carro, de Joca.
VOLTA À CENA
O PM guarda a arma. A lua brilha sobre o mar. Uma onda mais
forte leva a carteira, das mãos de Zé, sendo resgatada pela
mão do PM
FADE OUT
FIM
Roteiro de Fernando A Medeiros
FADE IN :
EXT. PRAIA - NOITE
Zé, um rapaz jovem, robusto, com pele clara, cabelos loiros
curtos e traços abrutalhados, está agachado na beira do mar,
lavando o rosto e os braços. Sua roupa e seu corpo estão
ensangüentados. A lua reflete sua luz na água. Um policial
se aproxima com uma arma na mão. POLICIAL Quieto!!
Zé continua se lavando e esboça um sorriso, falando: ZÉ Eu sou ele !
CLOSE – LUA REFLETIDA
na água, que está na mão em concha, de ZÉ.
FUSÃO PARA:
EXT. CASA EM CONSTRUÇÃO - DIA
CLOSE – CROMADOS
de carro, em movimento. Cabelos loiros ao vento.
VOLTA À CENA
Joca, jovem artista plástico, passa em direção à sua casa
de bug, com uma bela mulher loira. O som do carro alto,
clima de descontração. Subida de uma rua de condomínio
2
classe média, com natureza exuberante. Lindo dia azul. O
carro passa e a CÂMERA ACOMPANHA A CENA, até enquadrar Zé,
que empurra um carrinho de obra, ao lado da construção. Zé
olha pôr cima do ombro em direção ao carro que passa, seu
olhar é de desejo. Carro passa e levanta folhas e poeira do
chão. Zé para, pega uma pá e começa a carregar o carrinho de
mão.
CLOSE - LÂMINA
da pá penetrando na areia.
FUSÃO
EXT. JARDIM DA CASA DE JOCA - DIA
Carro ATRAVESSA O QUADRO na mesma direção do movimento da
pá. Joca chega em sua casa, bonito jardim, casa rústica,
tipo chalé, com varanda, piscina e vista do mar.
CORTA
CLOSE – MULHER LOIRA
desce do carro, ela está de short, pernas torneadas descendo
do carro.
VOLTA À CENA
cabelo sobre os ombros nus, ela está de bustiê, clima
sensual. Joca envolve a sua cintura com a mão.
CORTA
INSERT – REDE NA VARANDA
da casa de Joca balança e cachorro de porte médio, pula de
dentro, em sinal de alerta.
3
VOLTA À CENA
Eles chegam a entrada da casa, abrem a porta e entram.
CORTA
INT. CASA DE ZÉ - ENTARDECER
Zé abre a porta e entra, suado, sujo. Sua mãe, senhora
mulata, rosto marcado pela vida, magra e de pequena
estatura, fecha e tranca a porta. Ela está de avental, saia
rodada bem surrada, lenço na cabeça e colher de pau na mão.
A casa é de alvenaria, tijolos a mostra, teto de laje,
pequenas janelas basculantes iluminam o ambiente, soturno e
esfumaçado, um aparelho de rádio, está sintonizado em
estação AM, programa popular, pela janela avista-se a
paisagem da favela, outras casas de laje, antenas, fios
emaranhados e roupas penduradas em arames. MÃE
Veio de mãos abanando de novo? Não sei prá que você trabalha, esse seu patrão não te paga não? ou ficou vagabundeando por aí ? ZÉ
Mãe, ele disse que só a próxima semana...
MÃE
Você é um imprestável igual seu pai ! Maldita a
hora que tu nasceu.
Pai moribundo, com poucos cabelos loiros e rosto marcado por
rugas e feições embrutecidas, está deitado no sofá em
4
PRIMEIRO PLANO, vestido de pijamas, sua aparência é doen-
tia. Zé, caminha pela casa em direção a uma janela
basculante, mãe, ao fundo, cozinha. As panelas são
de alumínio, amassadas e queimadas pelo velho fogão.
CLOSE - NA COMIDA
que está sendo feita, panela preta, amassada, colher de pau
mexe a mistura de "milharina" e pés de galinha. VOLTA À CENA
Zé olha através das folhas do basculante, sua mãe continua
a praguejar. O som da voz vai ficando distante e sendo
substituído pelo burburinho externo, vozes, crianças, mães
chamando seus filhos, passarinhos, rádios e tvs, etc..
EXT. FAVELA - ENTARDECER
POV DE ZÉ
que olha pela janela à paisagem: poste todo enrolado com
fios elétricos, pipas, tênis, tudo enrolado nos fios.
“Visual” de Zé continua seu passeio em direção ao céu, pipas
no alto. Pipa mais alta, mergulha em direção a outra. Linhas
se cruzando.
CLOSE – LINHAS
brilham quando serol reflete o sol. Linha sendo cortada. VOLTA À CENA
Pipa voa e vai caindo até desaparecer por trás das casas. INT. CASA DE ZÉ - ENTARDECER
Pai em PRIMEIRO PLANO, vomita sobre o próprio corpo,
5
MUDANÇA DE FOCO para Zé que vira-se para olhar.
CLOSE - NA EXPRESSÃO
de desdém da mãe, que também olha para o moribundo e retorna
a atenção, à comida. Ela começa a servir os pratos.
Eles são de plástico, com algumas queimaduras nas bordas ou
embaixo. Colheradas vigorosas, penetram a mistura.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA - ENTARDECER
Mão de Joca, no mesmo angulo movimento da colher, acaricia
seio de mulher, cena de amor. Detalhes do contraste da cor
da pele morena com a pele clara. Câmera percorre o corpo dos
dois, que se movimentam em ritmo lento e sensual, como se
estivessem fazendo amor.
PLANO CONTÍNUO
saindo da cama, onde os dois se encontram, em direção a
janela do quarto. O céu está laranja, após o por do sol no
mar, visual deslumbrante.
FUSÃO
EXT. RUA FAVELA / BIROSCA - ENTARDECER
Brilhos, com as cores do pôr de sol, nos enfeites da
fantasia de bate bola.
CLOSE - CACHORRO VIRA LATA
dorme na calçada, ao lado de garrafas de cerveja, bola do
bate bola, bate no chão, com violência, próximo ao seu
focinho, o cachorro corre assustado.
6
VOLTA À CENA
Crianças observam o grupo de bate bolas, suas danças e
brincadeiras. Eles estão em frente a uma birosca de madeira,
pintada em cores berrantes. Um dos bate bola, conversa com
duas garotas, que estão vestidas de corpete e short colante.
Um dos bate bolas é Zé, que está com a máscara levantada,
mostrando o rosto, ele olha ao redor aturdido e volta sua
atenção para as garotas, olhando abobalhado.
POV DE ZÉ
CLOSE - NAS CURVAS
A) dos seios da garota, desenhados na blusa.
B) nas bundas.
C) nos rostos.
GAROTA 1
Onde vocês vão zoar hoje ? BATE BOLA 1
Vamos lá, pro lado da Barra. GAROTA
Nós podemos ir com você ? BATE BOLA 1
Qualé ? Só vai homem !
Garota aponta em direção a Zé que está em PRIMEIRO PLANO.
GAROTA 1
Você prefere sair sozinho com esses babacas ?
Tem até retardado !
BATE BOLA 1
7
Ihhh...qualé ? O Zé é maluco mas é maneiro. A
rapaziada é sangue bom, é tudo irmão!
GAROTA 1
Você vai acabar é maluco que nem ele, é isso aí!
Té mais!!
Zé escuta, a distância. As garotas caminham em sua direção e
passam ao seu lado.
CLOSE – Zé
A) olha com o canto do olho, inibido.
B) as garotas viram o rosto, em desprezo.
VOLTA À CENA
Seqüência de planos de bate bolas dançando, pulando e
batendo suas bolas em excitação crescente. Explorar o
grafismo das roupas.
FUSÃO
EXT. CASA DE JOCA / PISCINA - NOITE
CLOSE – BIKINI
cai na beira da piscina, ao lado de pé feminino.
VOLTA À CENA
Corpo nu de mulher morena, corta o ar em mergulho, IMAGEM
SUBMARINA do corpo cortando a água, Joca também mergulha na
piscina. IMAGEM SUBMARINA, mostra a troca de carícias.
Bolhas de ar resultantes dos movimentos na água ocupam a
tela.
8
FUSÀO
EXT. PONTO DE ÔNIBUS - NOITE
Miçangas azuis das roupas dos bate bolas , descortinam
faróis de ônibus chegando.
CLOSE – ESTRIBO DE ÔNIBUS
bola “pipoca” no chão com força, pés dos bate bolas subindo no ônibus em disparada.
VOLTA À CENA
Frenesi na entrada do grupo, que se espreme para entrar no
ônibus, em grande algazarra. ZOOM IN até as roupas ocuparem
todo o quadro e desfocar.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA / SALA
CLOSE - RESPINGOS
de tinta, em pintura impressionista, pincel entra em quadro
fazendo uma faixa contínua de tom vermelho sangue.
VOLTA À CENA
Sala espaçosa, decorada com pouca mobília e decoração
artística. Joca está pintando um quadro. Imagem “clean”, de
paz, tranquilidade e concentração.
CORTA
EXT. ÔNIBUS - NOITE
SÉRIE DE PLANOS
A) Passageiros riem.
B) Outros se sentem incomodados.
C) Mãe protege seu filho.
9
D) Homem puxa para si, saco de linhagem preta, com fiada de
caranguejos vivos.
CLOSE DOS CARANGUEJOS
que esperneiam, tentando sair do saco.
VOLTA À CENA
O ônibus está cheio, com pessoas em pé, que se espremem
frente a bagunça dos bate bolas. Duas garotas em pé com
colares de plástico e short são cercadas por alguns bate
bolas, eles se encostam, apertando as garotas e roçando os
corpos. Uma das garotas, faz cara de brava e cutuca barriga
do bate bola com o cotovelo. Frenesi aumenta, as luzes da
rua surgem conforme o ônibus se desloca pela estrada cheia
de curvas. As pessoas estão ansiosas. Um dos bate bola, bate
com o pau que segura a bola na luminária do ônibus,
espatifando-a.
CLOSE – PAU
quebrando a lâmpada. Várias lâmpadas são quebradas.
VOLTA À CENA
O frenesi chegou ao seu auge. As pessoas apavoradas, gritam,
os homens reclamam, as crianças choram. A bagunça no
interior do ônibus é grande. As luzes dos postes da estrada
refletem nos brilhos e nos corpos suados e definem os
contornos dos passageiros e bate bolas, em piscadas de luz,
conforme o ônibus em movimento passa velozmente pelos
postes. Janelas começam a ser quebradas, pessoas entram em
10
pânico. Ônibus sai da estrada e para próximo a um boteco.
Bate bolas saem do ônibus, pela porta da frente e através
das janelas quebradas, fazendo grande alvoroço e ocupando
toda a tela.
FUSÃO
EXT. JARDIM CASA DE JOCA - NOITE
Casal, Joca e mulher morena saem da casa e se dirigem
conversando ao carro. Entram no carro, conversando e
trocando sorrisos. Joca acende um cigarro e passa para ela,
arrancando com o carro em direção a saída.
CORTA
EXT. RUA DA BARRA / BOTEQUIM - NOITE
Carro de Joca passa em frente ao botequim onde o grupo de
bate bolas faz bagunça. Zé está eufórico batendo sua bola e
pulando como um louco. Bola bate no chão e carro de Joca
passa ao fundo.
POV DE ZÉ
Carro de Joca passa próximo a Zé e se afasta.
VOLTA À CENA
FUSÀO
EXT. CASA EM CONSTRUÇÃO - DIA
CLOSE – SEU TAMOIO
dono da obra, esbraveja( sotaque paulista ).
TAMOIO Pôrra meu, você tá muito mole!
11
VOLTA À CENA
Seu Tamoio é um sujeito baixo, ligeiramente gordo,
barrigudo, morador da zona sul do Rio. É um sujeito
matreiro. Sempre diz que está sem dinheiro, mas está fazendo
uma casa de praia requintada, veste-se bem e possui um carro
esportivo.
PLANO CONTÍNUO EM TRAVELING
Ele está em pé, sobre um monte de terra ( para aumentar a
sua altura ), próximo ao carro, com as mãos na cintura, em
atitude prepotente, esbravejando com o PEDREIRO. Zé com saco
de cimento nas costas cruza a cena, olhando para o chão.
Tamoio, embora olhe na direção da movimentação inicial de
Zé, dirige a sua bronca ao pedreiro.
TAMOIO
Você parece uma puta lesma, meu! Assim eu não
vou poder vir passar o carnaval aqui. Puta que
te pariu, , não sei porque que eu te agüento,
quero te dar uma força, mas você não reconhece
o meu esforço, uma vez por semana tenho que
vir de Ipanema até aqui prá ver como tá a obra
e chego aqui...porra nenhuma, você não fez
nada.
CLOSE
DINHO, o pedreiro, enfia a lâmina da colher de pedreiro na
massa de cimento.
12
VOLTA À CENA
Dinho embossando a casa, fala calmamente, fumando um
cigarro, pendurado no canto da boca. Dinho é um camarada
tranqüilo e trabalhador, no ritmo da beira de praia, é
claro. Rapaz simples, semi analfabeto. DINHO
Poxa, seu Tamoio, eu e o Zé tamo trabalhando
direto, aqui nesta empleita. O senhor nem tem do
que reclamar.
TAMOIO
O que? Como é que é? Que trabalhando porra
nenhuma, cês tão é mamando o meu dinheiro.
Zé passa carregando mais um saco de cimento, olhar submisso. DINHO O sr. vai pagar hoje ?
TAMOIO Só uma parte...
Tamoio pega o telefone celular e começa a discar, como se
estivesse a encerrar a conversa e ter mais o que fazer.
... prá vocês... irem ...se segurando, a coisa
tá preta. DINHO
Mas seu Tamoio, eu tenho família e também tenho
que pagar o Zé que não paguei a semana passada.
TAMOIO
13
Alô...Alô...Merda, a bateria está acabando. Tô
dizendo que a coisa tá preta. Com essa grana que
vou te dar hoje você paga uma parte pro
maluquinho... (cont.)
Tamoio tenta a ligação, novamente.
CLOSE – ROSTO
de Zé, mo meio da poeira do cimento, ele olha para o lado
com expressão amargurada.
VOLTA À CENA
TAMOIO
( cont. )...e fica tudo certo, segunda feira
venho aqui e se você terminar te pago tudo, tá
bom ? Alô...Alô...
Zé descarrega saco de cimento, em um monte de areia
preparado para fazer a massa. Ao fundo Tamoio ainda tentando
fazer a ligação, se dirige ao seu carro, entra e arranca,
DESCORTINANDO a obra, o pedreiro e Zé que passa na frente da
cena, carregando mais um saco de cimento.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA / ENTARDECER
Zé aparece por trás de uma árvore, se esgueirando pelo mato.
POV DE ZÉ
Joca está pintando na varanda, o carro está parado no
quintal e está mais próximo. Um vulto na janela chama a
atenção, é uma mulher loira que esta passando.
14
VOLTA À CENA Zé se esconde para não ser visto. Caminha em volta da casa.
CLOSE - CACHORRO
levanta as orelhas em estado de alerta.
VOLTA À CENA
Zé olha uma árvore e conclui que pode dar acesso à casa,
entrando pelo andar superior, no quarto de Joca. Vozes de
Joca e da mulher chegam até Zé, ele se esconde. A porta
principal da casa, abre-se e o casal sai para o jardim a
conversar.
LOIRA
Poxa, você não vai me levar lá embaixo? JOCA
Não vou não, princesa. Estou muito ocupado
terminando um quadro, que tenho que entregar
ainda hoje.Vou te levar até o portão, tá legal? LOIRA Fazer o quê, brotinho?
Fala a garota com certo desâimo. Joca dá um beijo e abre um
sorriso.
JOCA É bom para engrossar as pernas!
Ela dá um beijo em Joca e se afasta.
Zé observa toda a cena de seu esconderijo. Joca volta para a
casa e fecha a porta. Zé sai do meio do mato e se
esgueirando, segue a mulher pela estrada.
15
CORTA
EXT. ESTRADA DO CONDOMÍNIO - ENTARDECER
Loira caminha feliz, na estrada dá uma última olhada para Joca. Zé a segue ao fundo.
CLOSE – OLHAR
de Zé caminhando.
POV DE Zé rebolado da loira ao caminhar.
VOLTA À CENA
Zé cai em um buraco no meio do mato, fazendo barulho Ela
para olha em volta e não vê nada. A cabeça de Zé reaparece
por trás de uma moita.
EXT. PONTO DE ÔNIBUS – DIA
Ela chega ao ponto de ônibus, silhueta de Zé, que a observa
em PRIMEIRO PLANO ocupa o quadro.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA / VARANDA - NOITE
Pincelada escura na tela. Joca está pintando um quadro na
varanda. Para de pintar, guarda os pincéis. Caminha para o
interior da casa e apaga a luz. Silhueta de cachorro pula
para dentro da rede, na varanda.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Moita de capim é afastada e surge o rosto de Zé.
POV DE ZÉ
16
luzes da casa se apagando.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Luz se acende, Joca entra no quarto, tira a cueca, fica nu.
A porta do quarto que dá para a varanda está aberta. Ele
deita, se enrolando no lençol, deixando apenas o rosto a
mostra, como de costume. Apaga a luz.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Lenta PANORÂMICA da casa e do jardim, as luzes estão
apagadas, ruído de grilos. Sombra de Zé é projetada na
parede da casa, ao lado da árvore que dá acesso ao andar
superior.
CLOSE – MÃO
Apalpa a faca que está na cintura e inicia a escalada da
árvore.
VOLTA À CENA
Passa pela varanda ( escalando a árvore ) onde está a rede
com o cachorro dormindo dentro.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Varanda do quarto de Joca, árvore balança. Surge Zé que
acabou de escalar a árvore. Em um gesto felino pula para
dentro da varanda. Joca dorme. Na parede do quarto aparece
a silhueta de Zé que entra no quarto, pega a faca na
cintura. Anda ao lado da cama de Joca, de um lado para
outro, ansioso, observando se o mesmo dorme. Já mais
17
tranquilo após confirmar que Joca dorme, desce a escada em
direção ao...
CLOSED
acende um fósforo para iluminar o ambiente. O closed é
grande, as roupas estão penduradas em uma arara. Uma
sapateira, um cabideiro e uma cômoda com gavetas, compõem o
ambiente despojado. Ele procura sobre a cômoda e encontra
uma carteira com documentos e dinheiro. Zé apanha o
dinheiro, o fósforo queima o seu dedo e se apaga. Ele acende
outro fósforo. Volta a mexer nos objetos que estão sobre a
cômoda e encontra uma pequena agenda de telefones. Aproxima
o fósforo do objeto, iluminando-o para ver do que se trata.
Esboça um sorriso e apaga o fósforo.
QUARTO
Zé passa por Joca que continua a dormir e sai pela varanda
em direção a árvore. A árvore balança com o peso de Zé.
Passa ao lado da varanda onde se encontra o cachorro
dormindo, dentro da rede. Silhueta de Zé descendo pela
árvore e passando pela rede, onde o cachorro dorme.
CORTA
INT. CASA DE ZÉ - NOITE
Zé, em sua cama, com um abajur improvisado, observa a agenda
de telefones, roubada de Joca.
CLOSE
A) Nomes femininos, anotados na agenda
18
B) Expressões de Zé.
VOLTA À CENA
Movimentos sob a coberta sugerem que Zé está se masturbando.
CLOSE
A) Expressão de prazer. B) Agenda caindo no chão.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA - DIA
O Sol penetra no quarto iluminando o rosto de Joca, que
ainda dorme. Ele abre os olhos, se espreguiça, levanta nu da
cama e desce para o ...
CLOSED, passando pela cômoda e se dirigindo ao ...
BANHEIRO. Toma banho, volta ao ...
CLOSED onde se enxugando. Veste a calça, abre a gaveta pega
o relógio e a chave do carro. Procura pela agenda e pelo
dinheiro. Abre portas e gavetas da cômoda. Procura nos
bolsos. Sobe ao...
QUARTO e revira tudo.
JOCA
Merda, onde foi que eu enfiei essa agenda ? E
a grana, será que perdi ?
Olha no relógio de novo, vê que está atrasado. Desce para o...
CLOSED
Veste a camisa, pega a chave do carro e sai do closed.
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA
19
Joca sai rapidamente em direção ao carro, está carregado de quadros. Acomoda os quadros no carro, embarca rapidamente e
arranca com velocidade.
EXT. ESTRADA DO CONDOMÍNIO - DIA
Joca dirigindo seu carro rapidamente. Olha para o retrovisor
que reflete seus olhos.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA - noite
FLASHBACK – Joca relembra cada ação da sua chegada em casa
na noite anterior. TRATAMENTO DIFERENCIADO da imagem: Joca
acende a luz, entra no closed, tira a camisa e joga sobre o
cabideiro, enfia a mão no bolso da calça e tira o dinheiro e
a agenda de telefones. Deposita tudo sobre a cômoda, o
dinheiro, a agenda e a chave do carro.
CORTA
EXT. ESTRADA DA CASA DE JOCA - DIA
CLOSE - VOLANTE
Joca esmurra
VOLTA À CENA
Joca dirigindo o carro, esmurra a direção repetidamente
Reflexo da imagem de Joca, puto, no espelho retrovisor.
JOCA
Roubaram a minha grana...
CLOSE – MÃO
20
passa a marcha e seu pé pisa o acelerador.
VOLTA À CENA
Carro de Joca passa em alta velocidade pela construção.
Zé está fazendo massa. Olha em direção ao carro, pelo canto
do olho.
CORTA
INT. CASA DA ASTRÓLOGA - DIA
CLOSE - MAPA ASTRAL Sobre uma mesa, livros de astrologia e vários papeis, sendo
um deles um mapa astral.
VOLTA À CENA
A casa é espaçosa e bem decorada, a astróloga é jovem e
bonita, tem uma personalidade carismática, seus olhos são
brilhantes e envolventes, sua voz é calma, porem firme.
Eles estão em uma mesa redonda, na sala. ASTRÓLOGA
Sente-se aqui ! Olha só que interessante! Tem
uma conjunção de Júpiter com Saturno, que está
muito forte nesse período do seu trânsito.
Você, por um acaso, vai se mudar?
Joca chega até a mesa, senta-se e responde surpreendido e
sorrindo.
JOCA Espera aí ! Vamos devagar. Primeiro, eu não vou
me mudar e segundo...não sei o que é trânsito !
21
ASTRÓLOGA
Você não pediu, em troca do quadro, prá eu fazer
"tudo o que você tinha direito"? Pois bem, segui
as suas orientações.
JOCA
E então? O que, que é, esse tal de trânsito ? Eu
só conheço mapa astral.
ASTRÓLOGA
Então taí! Foi isso que fiz, o mapa astral é a
representação do céu, na hora e local que você
nasceu. Já o trânsito é o céu em movimento, os
astros se movendo e criando configurações
diferentes conforme passam por sua cabeça. O
trânsito, é conhecido popularmente como
horóscopo. Dá para se fazer o trânsito por
horas, dias, meses, ou mesmo anos, a pessoa que
escolhe. Para você, eu fiz apenas para este mês
e o próximo.
JOCA
Não sei se a gente tem o direito de saber o
futuro.
ASTRÓLOGA
Nós não sabemos. Sabemos apenas das influências
que os astros transmitem, de acordo com suas
posições no céu e suas combinações em relação
22
aos outros astros, aí vem a interpretação, das
configurações. Na verdade, são tendências, não
fatos consumados. Você pode usar essas
informações para viver melhor, sabendo quais os
aspectos, que lhe são favoráveis, e usufruir
dessa boa configuração. Ou, se são
desfavoráveis, evitar as situações que podem
levar a consumação da previsão.
JOCA Tá bom, então vamos lá !
ASTRÓLOGA
Como eu estava dizendo tem uma configuração aqui
no seu mapa que é um indício de mudança, você
não está mesmo pensando em mudar-se de casa ?
JOCA Não ! ASTRÓLOGA
Nem vai reformar sua casa ? Pintar ? Trocar de
quarto ?
Joca responde, negativamente, acenando com a cabeça e já
mostrando irritação, quanto a insistência da astróloga. JOCA
Olha só Leí(astróloga), eu estou duro, não vou reformar
nada, estou sem trabalho, a casa é minha, não
pago aluguel e além de tudo me roubaram uma
23
grana, daí acho que algo aí nesse trânsito deve
estar errado. ASTRÓLOGA
Puxa, que chato...Sei não...tá muito forte, no
máximo em uma semana... Mas, vamos pôr partes,
que história é essa que te roubaram ?
JOCA
Pô, eu deixei a grana em cima da cômoda quando
cheguei ontem a noite em casa e hoje sumiu, deve
ter sido um desses "mui amigos" que a gente abre
as portas e vapt, lá vem rasteira.
ASTRÓLOGA
É... deixa prá lá, que eu também tenho uma
história , de um dinheiro que sumiu daqui de
casa, que até hoje estou procurando atrás dos
móveis. Vamos falar do seu mapa e de você.
Depois falaremos do trânsito.
Você nasceu com a Lua no ....
Os dois continuam a conversar, ZOON OUT, o diálogo vai
ficando incompreensível.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Faróis de carro iluminam o jardim, Joca chega em casa. Ele
desce e descarrega as compras.
24
CORTA
INT. CASA DE JOCA / noite
Joca entra em casa e se dirige à..
COZINHA
descarrega e arruma as compras, se dirige ao...
CLOSED
tira a camisa, enfia a mão no bolso, pega o dinheiro e
documentos, vai coloca-lo sobre a cômoda, mas para a ação,
indeciso. Opta por esconder o dinheiro sob a escultura que
está sobre a cômoda. Tira as calças e joga em direção ao
cabideiro onde já está a camisa e sai apenas de cuecas, em
direção ao...
BANHEIRO
Olha-se no espelho, coloca pasta na escova de dentes e
inicia a escovação.
FUSÃO
INT. CASA DA ASTRÓLOGA - DIA
FLASHBACK / TRATAMENTO DIFERENCIADO DA IMAGEM
ASTRÓLOGA Você vai se mudar !
INT. CASA DE JOCA / BANHEIRO - NOITE
CLOSE – DENTES
de Joca sendo escovados, imagem refletida, ZOOM OUT.
JOCA Mudar, hum ! ! !
Esboça sorriso, com escova de dentes dentro da boca
25
Abre a torneira e pega água para bochechar. Bochecha, cospe,
pega mais água e lava o rosto. Pega a toalha e se enxuga.
Quando tira a toalha do rosto sua imagem está refletida no
espelho, a toalha vai descortinando seus olhos que olham
fixos para o espelho, preocupação.
FUSÃO
INT. CASA DE JOCA / CLOSED - NOITE
FLASHBACK / IMAGEM DIFERENCIADA
Mão colocando o dinheiro sobre a cômoda.
VOLTA À CENA
Joca sai da frente do espelho.
CORTA
CASA DE JOCA / QUARTO - noite
Joca cobre-se, de forma a ficar apenas o rosto aparecendo
Apaga a luz.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - noite
Mão apalpa o cabo da faca na cintura, pés calçados com tênis
velhos, caminham silenciosamente pisando as folhas.
CORTA
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
A sombra de um homem, iluminada pela Lua, se sobrepõe a
sombra das molduras dos vidros da porta entreaberta, do
quarto aberta projetada na parede. Vulto chega junto a cama
de Joca, confere que o mesmo está dormindo e desce a escada
26
em direção ao ...
CLOSE - Zé
acende um fósforo.
VOLTA À CENA
Encaminha-se diretamente a cômoda, onde supõe estar o
dinheiro. Procura e não acha. Encontra a chave do carro.
Apanha a chave, o fósforo se apaga.
Acende outro fósforo, olha para o cabideiro onde está a
camisa e a calça. Revista as roupas e não encontra nada
Fica possesso, seu olhar é de revolta. Olha em direção ao
quarto de Joca.
CORTA
INT. CASA DE JOCA / SALA - DIA
IMAGEM DIFERENCIADA, ( sonho de Joca )
Quadro sendo pintado. No quadro surge um rosto de mulher.
Joca olha. Mão de mulher corre pelo pincel vermelho, com
movimento sensual. A mão fica toda manchada de vermelho
conforme segura o pincel. Apanha o pincel da mão de Joca e
começa a cutuca-lo no peito e nas costelas, balbuciando
sensualmente, entre sorrisos. MULHER DA TELA Acorda...acorda...acorda...
CORTA
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
POV DE JOCA
27
Vulto ameaçador, fora de foco.
VOLTA À CENA
Zé, em pé ao lado da cama, cutuca Joca com uma faca de ponta
redonda ( faca de manteiga ), a voz da mulher do sonho, é
substituída pela de Zé. ZÉ Acorda, acorda. Cadê a grana ? Cadê a grana ? Joca consegue focar o vulto e segura a lamina da faca, ela é
de ponta redonda e cega. Zé puxa a faca das mãos de Joca com
violência, que não se corta. Joca ainda está zonzo, por
acabar de acordar. Zé está muito nervoso e se afasta um
pouco da cama, porém continua a ameaçar Joca com a faca.
ZÉ
Cadê a grana, pôrra ?
Joca senta na cama rapidamente, passa a mão pelo cabelo.
JOCA
Qual é cara ? Não tenho grana não...to duro !
Zé continua a ameaçar Joca, e repetir a ameaça, ele tem a
faca em uma das mãos e a chave do carro na outra. ZÉ
Cadê a grana ? Cadê a grana ? JOCA
Não tenho grana não, to sem trabalho, tô duro.
Zé mostra a chave do carro e mudando radicalmente o tom da
fala , faz um pedido infantil para Joca.
28
ZÉ
Pôxa, você com esse carro, vamos, nós dois
para São Paulo!
Joca olha surpreso. JOCA Ir prá São Paulo ? Tá maluco ?
Zé fica agitado com a resposta de Joca e volta a ameaça-lo
com a faca, em seu rosto.
ZÉ
Não me chama de maluco! Não me chama de maluco!
Joca tenta acalmar o invasor e fala pausadamente.
JOCA
Não posso ir para São Paulo, não tenho dinhe-iro
e tenho que ficar aqui, para trabalhar e ganhar
algum para sobreviver.
Zé, como se não tivesse escutado a explicação de Joca.
ZÉ A gente pega o carro e vai prá São Paulo! JOCA
Cara, eu não posso ir agora para São Paulo, eu
não tenho dinheiro, tenho que ficar e trabalhar,
se não vou viver do quê ? ZÉ
Eu...eu já vi... você passar de carro com lindas
mulheres.
29
JOCA Quer dizer, que você veio aqui atrás de mulher ?
ZÉ
Não ! não ! meu pai...meu pai morreu de barriga
d'água, estou sem dinheiro e...e o meu patrão
não me paga...eu sô trabalhador, num sô ladrão.
Zé começa a chorar e abaixa a faca
Joca percebe ser o momento de interferir, senta-se melhor na
cama e fala calmamente.
JOCA
Senta aqui. Se importa que eu acenda a luz ?
Zé senta-se choramingando na cama, ao lado de Joca. ZÉ Pode acender!
Joca acende a luz, ele está nu ao lado de Zé que está
vestido com uma calça jeans surrada, camiseta de político,
tênis velho rasgado. Joca pega um cigarro e oferece para Zé.
JOCA Você fuma ?
ZÉ Não!
JOCA
Olha para mim, cara ! Vamos conversar. Você
falou das mulheres. Você não tem namorada, não ? ZÉ
As garotas me sacaneiam, me chamam de maluco e
retardado.
30
JOCA
Pô cara, você é um garotão novo, forte. Pode
arrumar trabalho e namorada, tem tanta mulher
por aí...
ZÉ Eu nunca tive namorada !
JOCA
Tá certo, ainda não pintou alguém para você, mas
é só uma questão de tempo. De toda forma não
precisa sair entrando na casa das pessoas com
uma faca para arrumar dinheiro.
ZÉ
Eu nunca fiz isso...é a primeira vez. Mas o que
posso fazer...estou sem dinheiro. Eu trabalho,
mas meu patrão não me paga, tem mais de mês. Meu
pai morreu na semana passada, de barriga d'água.
Agora, sou só eu e minha mãe. Nós mora lá pro
lado do Campinho, eu tenho...
Zé fica com os olhos cheios de lágrimas e se agita nervoso.
JOCA
Tá bom, tá bom, fica calmo que eu vou te dar uma
força. Tenho um terreno grande que está
precisando capinar o mato, não é muita coisa,
mas já dá prá você ganhar uma grana, tá afim ?
31
ZÉ Tô, tô precisando..
JOCA
Então, hoje é terça, amanhã vou passar o dia
fora, vamos marcar prá quinta feira de manhã, tá
ok? ZÉ Tá..tá bom!
Zé abre um sorriso, que mostra a falta de vários dentes.
Substitui o sorriso rapidamente, para uma expressão séria. JOCA
Agora vai pra casa e me deixa dormir. Você tem
dinheiro para o ônibus ? ZÉ Não !
Joca pega umas moedas que estão em um pote ao lado da cama. JOCA
Toma aí esses trocados, vai lá. Te espero
quinta, tá ok?
Zé de cabeça baixa.
ZÉ Obriga ..obrigado seu Joca.
Zé se dirige a varanda do quarto, para sair pela árvore, por
onde entrou. JOCA
Vai pra onde?
32
Joca sorri nervosamente do absurdo da situação.
ZÉ Vou embora!
JOCA
Que é isso, vamos por aqui, te levo até a
porta.
Os dois descem a escada, Zé desce na frente.
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
A porta se abre, Zé sai e Joca fica na porta , eles se
despedem com um aperto de mão. JOCA
Então, até Quinta-feira!
ZÉ Tchau!
Joca fica na porta observando Zé se afastar pela estrada,
depois entra em casa, fecha a porta, as luzes da casa se
apagam.
CORTA
INT. PADARIA - DIA
Joca está com amigos tomando café no balcão.
CLOSE DO PÃO
com manteiga derretida, sendo molhado na xícara de café com
leite.
VOLTA À CENA
Joca relata o fato ocorrido.
33
JOCA
...eu dei o dinheiro prá ele pegar o ônibus e
ele quis sair pela árvore, aí eu não deixei e o
levei até a porta, marcando com ele pra vir
capinar o terreno na quinta feira AMIGO 1
Você é muito babaca, acha que vai salvar o
mundo, tá maluco ? Não vai dar queixa na polícia ?
JOCA
Eu não, o cara tava desesperado, vou entregar
ele para a polícia ? Aí sim a vida dele vai
ficar um inferno. Acho que posso dar uma força,
só isso !
AMIGO 2
Eu já vi ele aqui na padaria, neguinho chama ele
de maluquinho. Não é aquele que trabalha com o
Quinho, na obra do seu Tamoio ? JOCA
É sim, ele disse que o Tamoio não paga ele faz
tempo.
AMIGO 1
Aquele Tamoio é um bom filho da puta, tremen-do
explorador, eu conheço o Quinho, vive duro.
Dono da padaria que prestava atenção a tudo sem dar
34
opinião, joga o pano de prato que está em suas mãos sobre o ombro.
DONO DA PADARIA
O Quinho, tem um prego aqui, que não paga fa-zem
dois meses. Eu já vi ele acompanhado des-se tal
de Zé. Não é um russo forte, com cabe-lo rente ?
AMIGO 2 É esse mesmo AMIGO 1 Deixa de ser babaca e entrega ele prós home.
JOCA
Que nada, agora já dei minha palavra. Se eu
entregar ele, aí sim vou foder de vez com a vida
do garoto, ele nunca vai ser ninguém. Marquei
com ele amanhã de manhã,......se ele não vier,
aí vou começar a ficar preocupado.
Joca mergulha o pão no café com leite, encerrando o papo, os
amigos observam, o dono da padaria enxuga o queixo com o
pano de prato que está em seu ombro, balança a cabeça, como
quem diz : "tem jeito não" e sai da cena.
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA
Galo cantando no jardim, em meio as galinhas que ciscam o
terreno.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - DIA
Joca acorda sobressaltado, levanta-se da cama e olha pela
janela do quarto em direção ao jardim, avistando o galo e as
35
galinhas que ciscam o terreiro, ao lado do carro. Ninguém no
jardim, olha para o relógio, olha outra vez em direção ao
portão de entrada, não aparece ninguém. Enxota as galinhas
e volta para a cama, deita-se tentando dormir, vira para um
lado, vira para outro e resolve ficar olhando para o teto
pensativo, depois olha para a árvore ( a que Zé escala para
invadir a casa ).
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - DIA E NOITE
SÉRIE DE PLANOS
Com imagens do exterior da casa de Joca( fast ).
A) Joca sai de casa entra no carro, sai, galinhas passam
ciscando, cachorro corre atrás das galinhas.
B) carro chega, Joca brinca com o cachorro, entra em casa.
E) anoitece, acende as luzes.
F) apaga as luzes, clareia o dia.
G) galinhas passeiam no jardim, Joca abre a porta da frente
de bermudas, se espreguiça, fecha a porta, sai de casa já
vestido, entra no carro e sai.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Faróis do carro iluminam a noite, chegando ao portão de
entrada. Antes de parar o carro manobra iluminando a casa e
as redondezas.
CLOSE DA MÀO
de Joca que mexe na bolsa e pega um canivete automático
36
fechado, nervosamente aperta o botão e abre a lâmina.
VOLTA À CENA
Desce do carro com o canivete armado em uma das mãos,
compras e chaves na outra, caminha em direção a porta
olhando em volta nervoso, ainda com o canivete armado abre a
porta com as chaves, e entra em casa.
CORTA
INT. CASA DE JOCA - NOITE
POV DE JOCA
Cachorro pula em sua direção
VOLTA À CENA
Joca sorri, fecha rapidamente a porta ,desarma o canivete e
faz festa no cachorro, se dirigindo para a ...
COZINHA
deposita as compras e procura o facão que está no armário
Pega o facão e se dirige ao ...
CLOSED
Deposita o facão sobre a cômoda, esconde o dinheiro sob a
estátua, tira a roupa da maneira habitual, ficando apenas de
cuecas. Pega o facão e sobe para o ...
QUARTO
Joca pega uma pequena vértebra de baleia , que decora o
quarto, e a usa como cunha, para calçar a porta que dá para
a varanda e que não tem fechadura. A porta, por onde Zé
costuma entrar. Arruma a cama posicionando o facão ao seu
37
lado, sob o colchão. Tira a cueca e deita-se. Antes de
apagar a luz, experimenta pegar o facão para checar a
posição mais apropriada. Ruídos noturnos: grilos, sapos,
coruja.
CLOSE NOS OLHOS
abertos de Joca, que se vira na cama tentando dormir e não
consegue. Cobre a cabeça num rompante, deixando apenas o
nariz de fora.
CORTA
EXT. CASA EM CONSTRUÇÃO - DIA
Garfo de ferro penetra nas pedras ( britas ), MUDANÇA DE
FOCO para Joca que se aproxima a pé pela rua. Tamoio está
parado ao lado de seu carro esporte. Joca faz um aceno. JOCA
Bom dia, seu Tamoio! TAMOIO
Bom dia ! JOCA
O senhor tem um empregado, aqui na obra de nome Zé ?
TAMOIO
Tinha !....ainda bem que sumiu, aquele
retardado. O Quinho é que dava cobertura prá
ele, mas o cara não queria nada com o trabalho.
Quinho está trabalhando na obra e levanta a cabeça para
escutar melhor a conversa.
38
JOCA
É que ele esteve lá em casa, outro dia a noite e ........
Joca narra os fatos para Tamoio que o escuta, as vezes
sério, as vezes rindo. Garfo enfia mais uma vez nas pedras
e CÂMERA ACOMPANHA até descarregar as pedras no carrinho de
mão. O servente é outro, pega o carrinho e sai de cena, Joca
e Tamoio conversam ao fundo. TAMOIO
E você deixou ele ir embora ?
JOCA
Marquei pra ele vir na Quinta feira, mas hoje já
é Sábado e o cara não apareceu.
TAMOIO
Você é muito otário, quando ele virasse as
costas pra mim, enchia ele de bala, isso sim.
JOCA Mas eu não sou assim, não tenho nem revólver.
TAMOIO
Pois trata de arrumar um, esse cara invadiu a
tua casa e levou aperto de mão e grana pro
ônibus. Ele já sabe que tu dá mole, é capaz de
voltar.
Tamoio termina a frase as gargalhadas.
CORTA
39
INT. CASA DE JOCA / SALA - NOITE
Pingos de tinta vermelha caem no chão escorrendo da tela,
CÂMERA ACOMPANHA o percurso dos pingos, no sentido com-
trário, passando pelo facão que está ao lado até chegar a
tela que Joca está pintando. O cachorro late. Joca solta o
pincel e apanha o facão. Olha pela janela em direção a
escuridão empunhando o facão.
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
ZOON OUT tela escura para dentro do quarto de Joca que está
calçando a porta da varanda, com o osso de baleia. Arruma o
facão sob a cama. Deita-se e cobre-se da maneira habitual. FUSÃO
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Lua brilha no céu, vulto cruza o quadro. Sombra de Zé na
parede externa da casa. Tênis rasgados caminhando no jardim.
A arvore se balança. Tênis sobem na árvore, ao fundo a
varanda com a rede, onde dorme o cachorro. Vulto pula a
grade de proteção para dentro da varanda. Pega a faca que
está enfiada na calça.
CLOSE NA LÂMINA
que brilha na luz da Lua, a lamina é pequena, pontiaguda e
afiada.
VOLTA À CENA
Sombra de Zé projetada na porta do quarto que dá para a
varanda, ela está fechada. Ele a empurra várias vezes.
40
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Vértebra da baleia que escora a porta vai cedendo aos
sucessivos empurrões, até que cede totalmente e a porta
abre-se. Joca acorda e olha sobre o ombro em direção a
porta.
POV DE JOCA
A porta se abre e Zé invade o quarto.
VOLTA À CENA
Mão de Joca procura e agarra o punho do facão. Sombra de Zé
se projeta sobre Joca que está deitado, todo coberto em
lençol branco.
CLOSE DA LÂMINA
Que brilha na luz da Lua.
VOLTA À CENA
Zé aproxima-se de Joca, curva-se sobre ele, ficando com seu
rosto bem próximo do rosto de Joca, mexendo com a cabeça,
procurando o melhor angulo, para observa-lo. Joca, com o
rosto parcialmente coberto, observa com o canto dos olhos o
seu visitante. Mão de Joca, aperta nervosamente o punho do
facão.
POV DE JOCA
o rosto de Zé bem próximo ao seu.
Não agüentando mais a tensão, Joca fala. JOCA Zé ?
Zé ao mesmo tempo que emite um grunhido como resposta,
41
levanta o braço rapidamente, a faca brilha na luz da Lua
Violentamente desfecha uma primeira facada. A faca se
enterra no corpo de Joca manchando o lençol de vermelho. Zé
desfere mais dois golpes violentamente. Mão de Joca alcança
e puxa o facão, ao mesmo tempo que, levanta-se com o facão
na mão se protegendo das facadas com o lençol
Zé golpeia repetidas vezes em diferentes direções. O facão
cai da mão de Joca. Expressão de horror de Joca, já com um
corte no rosto. O sangue espirra brilhando no luar
A lâmina corta a pele da perna de Joca, logo abaixo dos
quadris. Joca apavorado se defende com os lençóis. Na
parede branca do quarto, mão de Zé ensangüentada se apoia
deixando um rastro de sangue. Zé cai no chão com um chute de
Joca. Mão de Joca agarra o travesseiro. A luta é uma grande
confusão de sombras e lençóis manchados de sangue, que hora
desfraldam-se, hora modelam os corpos ensanguentados. Joca
alcança o ventilador e o atira violentamente em direção ao
seu oponente. O ventilador atinge a fronte de Zé , que
cambaleia tentando ficar em pé. Mão de Joca agarra a
vértebra de baleia. Joca brandi a vértebra como se fosse uma
clava, desfechando vários golpes em Zé, que se desequilibra
e escorrega escada a baixo. O rosto de Joca está todo
ensanguentado, ele coloca a mão no pescoço na tentativa de
estancar o sangue, acreditando estar ferido no pescoço.
CLOSED
42
Zé chega ao closed as cambalhotas, esbaforido, manchado de
sangue e com um ferimento na testa. Levanta-se, passa pela
cômoda rapidamente, pega os documentos e a chave do carro de
Joca e sai correndo.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Zé sai pela porta da frente correndo em direção ao portão de
entrada, ele está mancando.
CORTA
INT. CASA DE JOCA / QUARTO - NOITE
Joca chega a janela e grita. JOCA
Socorro....socorro
POV DE JOCA
do quarto olha o jardim vazio, silêncio, apenas o ruído de
grilos. Zé já se foi.
Veste a cueca com dificuldade e sai.
CORTA
EXT. CASA DE JOCA / JARDIM - NOITE
Joca abre a porta da frente e saí, todo ensangüentado,
cambaleando na direção contrária a de Zé, ainda com a mão no
pescoço.
CORTA
EXT. CASA DO VIZINHO DE JOCA - NOITE
Joca chega até uma casa simples, com o pé direito baixo e
43
coberta por telhas. Bate a porta.
CORTA
EXT. ESTRADA DO CONDOMÍNIO - NOITE
Zé todo suado e ensangüentado anda rápido, com expressão de
satisfação. Olha para os documentos e a chave do carro de
Joca, que carrega em uma das mãos e depois os guarda no
bolso de trás da calça.
CORTA
EXT. CASA DO VIZINHO DE JOCA - NOITE
Joca bate de novo a porta, que finalmente se abre,
aparecendo o vizinho com cara de sono.
POV DO VIZINHO
Joca todo ensangüentado, com a mão no pescoço, sem camisa,
apenas de cuecas.
VOLTA À CENA
Vizinho fica surpreso.
VIZINHO
O que foi isso Joca ? JOCA
Um cara entrou lá em casa e me esfaqueou.
O vizinho segura Joca pelo braço e o direciona, à um banco
de tábuas, que está do lado de fora da casa, ao lado da
porta. Segura a mão que tenta estancar o sangue. Joca reage
como se não pudesse tirar a mão. VIZINHO
44
Deixa eu ver o estrago...
A mulher do vizinho e as crianças rodeiam Joca que está
sentado no banco. Joca tira a mão do pescoço lentamente,
incentivado pelo vizinho. O lugar onde estava a mão não tem
ferimento algum, nem sangue, apenas a marca da mão
desenhada, que impediu o sangue de escorrer pelo pescoço.
VIZINHO
Mas aqui no pescoço não tem nada !!! Tá
maluco. É o único lugar que não tem sangue no
seu corpo.
Joca sorri.
JOCA
Eu pensei que ele tivesse cortado a minha
jugular.
CORTA
EXT. PRAIA - NOITE
Zé mancando, anda em direção à praia, a rua está deserta.
CORTA
EXT. BARRA / INTERIOR DE VEÍCULO ( JOANINHA ) - NOITE
POV DOS POLICIAIS
Zé caminhando na areia em direção a água.
VOLTA A CENA
Um PM olha para o outro e aponta em direção a Zé.
CORTA
45
EXT. PRAIA - NOITE
Zé se aproxima da água, ao fundo o carro da policia para e
policial desce. Zé começa a se lavar. O policial chega com
a arma na mão. Percebe que Zé está ensangüentado. PM
Quieto!!
Zé não olha para o PM e continua a se lavar esboçando um
sorriso. Zé
Eu sou ele !!
Zé, com um movimento brusco, leva a mão, ao bolso traseiro
da calça. O PM assustado, achando que ele vai pegar uma
arma, dispara em sua cabeça a queima roupa. Zé cai na areia,
fulminado, com a carteira na mão.
CLOSE DE ZÉ
caído na areia, em sua mão a carteira de identidade e a
chave do carro, de Joca.
VOLTA À CENA
O PM guarda a arma. A lua brilha sobre o mar. Uma onda mais
forte leva a carteira, das mãos de Zé, sendo resgatada pela
mão do PM
FADE OUT
FIM
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